Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida, mais amores,
Em cismar, sozinho à noite,
Mais prazer encontro eu lá,
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá.
Em cismar, – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá,
Sem que desfrute os primores,
Que não encontro por cá;
Sem que ainda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.
(DIAS, 1980, p.12)
A famosa Canção do Exílio deixou à mostra o sentimento de saudade e de profundo amor à pátria que sentia o poeta maranhense Gonçalves Dias (1811-1882), durante o tempo em que esteve em Portugal. O ano em que ele escreveu foi 1846. Nessa época, o Romantismo moldava a Literatura brasileira. E a forte tendência ao nacionalismo foi o traço mais marcante desse estilo, como se viu na poesia. O movimento, que teve início no século XVIII, em território europeu, deixou traços ímpares nas manifestações estéticas brasileiras. Na Arte, foi o principal estilo durante a segunda metade do século XIX, trouxe um pouco das feições neoclássicas e o ecletismo na forma.
Por aqui, a época coincidiu com o Segundo Reinado, a partir de 1840, quando Dom Pedro II subiu ao trono. Pode-se dizer que o período veio acompanhado de crescimento na economia, de incentivo à Cultura e ao conhecimento. Entre as tantas transformações que ocorriam no Brasil, viu-se também a ascensão da cultura cafeeira e seu declínio; o início da industrialização; e as questões políticas e sociais que culminaram na crise do império. Seguiu-se a queda da monarquia em 1889, quando Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República e a Família Imperial foi enviada ao exílio. A escravidão se manteve durante o Segundo Reinado e, em 1888 foi abolida, dando espaço para a mão de obra imigrante. E a época ainda foi testemunha da Guerra dos Farrapos, da Guerra do Paraguai e da Revolução Praieira.
Quanto às feições, a Arte romântica Brasileira, não trazia os castelos medievais, nem os cavaleiros ou as donzelas. Vindo da Europa, o estilo adaptou-se à nossa realidade e se carregou de um nacionalismo ufanista e patriótico que levou à valorização de nossa natureza, de nosso povo e de nossos heróis.
Arquitetura
O ecletismo europeu também transitou por aqui e o que se viu foi um ressurgir de estilos, até o início do século XX. Houve uma tendência à decoração abundante, ao conforto e ao luxo. O rigor do Neoclássico foi se atualizando, aos poucos, dando sinais de que a modernidade avançava a passos largos.
Com a modernidade chegavam os novos materiais, entre os quais o ferro fundido, que passou a fazer parte da estrutura e dos ornamentos das construções, entre 1880 e 1910. Muitas dessas estruturas eram importadas de países da Europa, principalmente da Bélgica e da França.
O Teatro José de Alencar está entre as obras que fizeram parte desse ecletismo. Construído no início do século XX, sua estrutura e sua fachada tem peças em ferro que vieram da Escócia. A sala de apresentações, no interior deixa claro o estilo Nouveau, que então nascia no Brasil.
O Palácio da Liberdade 1 em Belo Horizonte é outro exemplo da versatilidade da época. Construído entre 1895 e 1897, sua vista frontal apresenta traços neoclássicos; e a decoração interna varia entre os estilos Luís XV, o mourisco e a Art Nouveau. O projeto de jardinagem tem como protagonista a palmeira imperial; há esculturas em mármore branco; e a beleza se completa com o coreto, de 1904, típico das edificações da época, ornamentado com ferro fundido.
Em São Paulo, fica nítido o estilo neogótico na Igreja da Sé (Figuras 1 e 2). Sua construção teve início em 1913 e terminou somente quarenta anos depois. Na cúpula central, predominou o modelo da Renascença. Próximo dali, está o Teatro Municipal de São Paulo, construído entre 1903 e 1911, projetado pelo Escritório Técnico do arquiteto Ramos de Azevedo (1851-1928). O local, que foi berço da Semana de Arte Moderna de 1922 e já recebeu importantes artistas, tem estilo diversificado e eclético, embora predomine a Art Déco.
No Rio de Janeiro, fazem parte da diversidade de estilos, outras conhecidas construções já do início do século XX, como o Teatro Municipal do Rio de Janeiro (1905-1909) e o prédio central da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Escultura
Lerás porém algum dia
Meus versos d’alma arrancados,
De amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; – e então,
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiede
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, nem de compaixão.
(GONÇALVES DIAS apud MASSAUD, 2000, p.126)
Assim como na Arquitetura, o ecletismo foi a marca que esse período deixou no campo da Escultura aqui, associado ao historicismo. Às tendências neoclássicas, juntaram-se elementos da Grécia e da Roma antigas, do Barroco e da Art Nouveau, que despontava por aqui. A estatuária trazia novas técnicas e novos matérias, como o cimento, o ferro e o aço, que tornavam mais rápida e fácil a criação das obras.
Fazendo uma referência à Mitologia, a fachada da Confeitaria Rocco (Fig. 3), em Porto Alegre, apresenta o Atlantes (Figuras 4 e 5) de Guiseppe Gaudenzi (1875-1966), de 1912. E Frederico Pellarin 2 foi o escultor da imagem que se apresenta no frontão da confeitaria (Fig. 10), retratando as Artes. A imagem feminina está sobre uma lira, acompanhada de duas crianças e representa a música. O grupo todo simboliza a Luz. Ainda em Porto Alegre, segue o estilo do período, a imagem de Santo Expedito, em mármore, na Catedral Metropolitana da cidade.
Nessa época, era comum à burguesia com posses adornar túmulos com esculturas de alto nível. Surgia então a Arte tumular, cujo grande exemplo é o Cemitério da Consolação, em São Paulo, com esculturas de grandes nomes, entre os quais, Victor Brecheret (1894-1955), Galileo Emendabili (1898-1974) e Luigi Brizzolara (1868-1937), Rodolfo Bernardelli (1852-1931), Bruno Giorgi (1905-1993). Muitas das esculturas estão em estado de abandono e há figuras ilustres enterradas nesse cemitério, entre as quais, a artista Tarsila do Amaral (1886-1973), o arquiteto Ramos de Azevedo, os escritores Monteiro Lobato (1882-1948) e Mário de Andrade (1893-1945), além de membros da tradicional família Matarazzo. Pelo Projeto Tumular, é possível fazer visitas guiadas ao local.
Pintura
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus …
Ó mar! Porque não apagas
Com a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! Noite! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
(ALVES, 1980, p.79)
Ficaram como remanescentes da Independência do Brasil (1822), o sentimento nacionalista e a valorização das questões políticas e sociais. As inquietações, o descontentamento do povo e a perda de prestígio da Monarquia eram claros e, para que essa imagem não se propagasse, seria interessante a Dom Pedro II, que as pinturas retratassem um Brasil tranquilo e unido. Viu-se então nesse período, a pintura com registros da vida palaciana, da Família Real e do Imperador. Mas foi também pelas mãos dos pintores, que o Brasil da época ficou registrado em imagens. A versão brasileira do Romantismo, foi sobretudo um memorial histórico e descritivo das paisagens, do dia a dia e do modo de viver do Brasil do século XIX. Talvez, nesse sentido, a Pintura se afastasse, um pouco da temática da Literatura.
A tendência a enfatizar a cor e os contrastes entre o claro e o escuro ficaram evidentes nas obras de Victor Meirelles (1832-1893). Pintada em Roma, pelo artista brasileiro, A Degolação de São João Batista de 1855 (Fig. 14) traz resquícios do tenebrismo 3 iniciado no Barroco, mas que perdurou até o Romantismo. Com o mesmo tema da obra de Caravaggio de 1607, a do artista brasileiro apresenta uma cena mais contida, aos moldes do academicismo. Na obra, a narrativa bíblica em que Salomé recebe a cabeça de São João Batista, sobre a bandeja.
São de Victor Meirelles, as duas obras Estudo para Passagem de Humaitá (Fig. 15) e Esboço para Passagem de Humaitá (Fig. 16), encomendadas pelo então Ministro Affonso Celso, com a intenção de abrandar as críticas que a Marinha vinha recebendo. Ambas retratam a atuação da marinha na Guerra do Paraguai, na operação militar que teve como objetivo ultrapassar a Fortaleza de Humaitá, passando pelo rio Paraguai. No Estudo para Passagem de Humaitá (Fig. 15), há pessoas vivas, em meio aos corpos, próximos a um navio com pessoas fardadas e muita fumaça, sugerindo um combate. À obra, cabem interpretações sobre o verdadeiro sentido de heroísmo e da guerra em si, talvez ali, colocados propositalmente com esse intuito, pelo artista. Na outra pintura, Esboço para Passagem de Humaitá (Fig. 16), há o típico traço do Romantismo, lembrando as paisagens de Turner, nítido no uso acentuado da cor, em manchas, nas linhas sinuosas, na ideia de grandiosidade e de exaltação da natureza.
A Batalha dos Guararapes (Fig. 18), que findou com as Invasões Holandesas no Brasil, em 1649, foi brilhantemente retratada por Victor Meirelles, em 1879. O artista trabalhou seis anos na obra, chegando a fazer viagens a Pernambuco, para conhecer o local. O heroísmo, como o tema da obra e está nítido, num primeiro plano, nos combatentes, em plena luta, em dramáticos movimentos, em meio aos corpos de pessoas e de cavalos caídos. Passiva, a natureza assiste tudo, ao fundo, em meio à poeira do momento do combate. A mancha de cor, a falta de nitidez, as linhas sinuosas aqui, foram aspectos relevantes para avultar o movimento.
Há que se falar em artistas como Jean-Baptiste Debret (1768-1848), cuja carreira percorreu também o Neoclássico; Pedro Américo (1843-1905), com estilos que oscilaram entre o Neoclássico, o Romantismo e o Realismo; Almeida Júnior (1850-1899), que retratou o caipira paulista em grande parte de suas obras; Rugendas (1802-1858), que se especializou em desenho, chegando a viajar pelo Brasil, para retratar os povos e os costumes. E os traços do Romantismo se prolongaram até 1880, na Pintura, quando o Realismo começava a despontar.
Considerações finais
O curso dos acontecimentos deu ao gênio da época, uma direção que ameaça afastá-lo mais e mais da Arte do ideal. Esta tem de abandonar a realidade e elevar-se, com decorosa ousadia, para além da privação, pois a Arte é filha da liberdade e quer ser legislada pela necessidade do espírito, não pela privação da matéria. (SCHILLER, 2002, p.21)
O Filósofo alemão, do século XVIII acreditava na educação como uma forma de equilíbrio da sociedade. O caminho para isso estava na Arte e na Estética. Pelo Belo, o espírito é conduzido à liberdade, e por consequência, ao estado ético, porque traz à tona emoções, valores e princípios. E é de tal liberdade, somada a intrínsecos valores éticos, que nos fala a estética do Romantismo.
Talvez seja essa a melhor forma de explicar o sentimento que envolveu o artista do período, tanto na Literatura, como nas manifestações estéticas. Mais que seguir um estilo, o Romantismo daqui adquiriu personalidade e valorizou nossas belezas, nosso povo, nossa religiosidade e deixou impresso, um Brasil que já não existe mais. A natureza exuberante contribuiu com as mais lindas imagens do país, que se eternizaram pelas mãos de nossos pintores.
A beleza da Poesia que inicia esse texto, fica por conta da assonância, da aliteração, das sensações provocadas pela exata combinação de palavras. Na Arte, o Belo é o resultado das cores e das formas, em perfeito arranjo, tão harmônicas quanto as notas de uma canção. O Belo circula pelo campo das sensações, é fonte de infindável deleite e conduz o coração ao êxtase.
1 Vídeo e tour virtual do Palácio da Liberdade:
www.circuitoculturalliberdade.com.br/plus/modulos/listas/
2 Não foram encontrados registros do ano de nascimento e de morte do escultor Frederico Pellarin.
3 A palavra tenebrismo é derivada de treva, do latim, e se refere ao grande contraste entre o claro e o escuro, técnica utilizada pelos artistas do Barroco, que permaneceu durante o Rococó e o Romantismo. É necessário, para tanto, que o artista tenha profundos conhecimento de perspectiva, de luz e de sombra. Essa técnica proporciona a sensação final de monumentalidade, uma vez que o movimento dos corpos é intensificado pela iluminação direta, em contraste com as áreas escurecidas.
Referências:
- ALVES, Castro. Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1980.
- ÁZEVEDO, Álvares de. Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1977.
- BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
- CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. Publifolha, S.Paulo, 2014.
- DIAS, Gonçalves. Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1980.
- EAGLETON, Terry. A Ideia de Cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
- FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
- GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
- HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
- MASSAUD, Moisés. A Literatura Brasileira através dos Textos. São Paulo Ed.Cultrix, 2000.
- SCHILLER, Friedrich Von. A Educação Estética do Homem, São Paulo: Ed. Iluminuras, 2002.
As figuras:
Fig. 1 – Igreja da Sé em São Paulo. Foto de Rosângela Vig.
Fig. 2 – Igreja da Sé em São Paulo. Foto de Rosângela Vig.
Fig. 3 – Confeitaria Rocco. Foto de Benjamim Mattos.
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Fig. 4 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada escultura com o Atlante Jovem, do lado esquerdo e Atlante Velho, do lado direito da imagem. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 5 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada escultura com o Atlante Jovem, do lado direito e Atlante Velho, do lado esquerdo da imagem. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 6 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada escultura Atlante Velho. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 7 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada escultura Atlante Velho. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 8 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada escultura Atlante Velho. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 9 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada escultura Atlante Jovem. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 10 – Confeitaria Rocco, detalhe do frontão da fachada escultura representando a Luz, com uma imagem de mulher sobre a lira. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 11 – Confeitaria Rocco, detalhe do frontão da fachada escultura representando a Luz, com uma imagem de mulher sobre a lira. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 12 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 13 – Confeitaria Rocco, detalhe da fachada. Foto de Benjamim Mattos.
Fig. 14 – A Degolação de São João Batista, Victor Meirelles, 1855. Museu Victor Meirelles.
Fig. 15 – Estudo para Passagem de Humaitá, Victor Meirelles, 1855. Museu Victor Meirelles.
Fig. 16 – Esboço para Passagem de Humaitá, Victor Meirelles, 1868-72. Museu Victor Meirelles.
Fig. 17 – O Naufrágio da Medusa, Victor Meirelles, 1857. Museu Victor Meirelles.
Fig. 18 – Vista Parcial da Cidade de Nossa Senhora do Desterro, Victor Meirelles, 1847. Museu Victor Meirelles.
Fig. 19 – Batalha dos Guararapes, Victor Meirelles, 1879. Museu Victor Meirelles.
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ROSÂNGELA VIG
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