Rococó por Rosângela Vig

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Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

Para cantar de amor tenros cuidados,
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento;
Ouvi pois o meu fúnebre lamento;
Se é, que de compaixão sois animados:

Já vós vistes, que aos ecos magoados
Do trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de Anfião ao doce acento;
Se viram os rochedos abalados.

Bem sei, que de outros gênios o Destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino:

O canto, pois, que minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.
(COSTA, 2014, p.39)

As palavras são de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), poeta que representou a primeira geração brasileira do Arcadismo, no século XVIII. Em ambiente pastoril, repleto de simplicidade e de doçura, seu soneto irradia encanto, nas referências que faz ao amor, à natureza e à Mitologia. Na Literatura, o estilo arcadista se opunha ao rebuscamento do Barroco 1; servia-se de temas simples, inerentes aos seres humanos como o amor, a idealização da mulher amada, o casamento, a solidão e a morte. Os valores clássicos da Antiguidade foram retomados, ambientados em tranquilos refúgios, afastados dos centros urbanos, sugerindo um viver bucólico e modesto.

Assim é a poesia, assim é a Arte. O soneto de Cláudio Manuel da Costa parece descrever um quadro do Rococó. O estilo, que despontou na França, no início do século XVIII, tornou-se popular por toda a Europa, até 1770, quando começou a ceder lugar para o espírito Neoclássico. O nome pode ter sido cunhado em 1790, quando o Rococó já entrava em decadência e faz uma fusão entre a palavra rocaille, que em francês significa concha, elemento decorativo comum do estilo; e o nome Barroco.

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Numa cena de feitio Rococó, estão elementos de refinada alegria, de leveza e de elegância. A teatralidade se distancia da dramaticidade barroca; a minuciosa decoração reflete um espírito desprendido dos exageros religiosos; e até mesmo as obras sacras adquiriram uma certa brandura.

Na caprichosa Arquitetura das igrejas 2, 3, 4 (Figuras 1 e 3) e dos palácios (Fig. 4), o que mais chama a atenção são as paredes com cores mais claras, com tons pastéis e brancos, que contrastam com a delicada pintura de flores, de raminhos e de anjos, que sobrevoam, que pendem e que atenuam a consistência rígida das paredes. Entre os elementos que deixam a Arquitetura mais bela, estão também as molduras e as esculturas em forma de guirlandas, de argolas, formando lindas ramagens linearmente dispostas, que se cruzam e que se aninham formando graciosos e inocentes cenários.

E tais motivos parecem ainda ter se materializado nas esculturas do Rococó. Como verdadeiros bibelôs, as imagens passaram a complementar os ambientes, com temas mitológicos (Figuras 5 e 6), compondo cenas de galanteio ou de brincadeiras, deixando à mostra o espírito cortesão do período. O berço de grandes nomes da Escultura desse período foi a França, com destaque para Étienne-Maurice Falconet (1716-1791), seguido de Michel Clodion (1738-1814), Jean-Louis Lemoyne (1665-1755), pai de Jean-Baptiste Lemoyne (1704-1778), Jean-Baptiste Pigalle (1714-1785), Robert Le Lorrain (1666-1743) e Louis-Simon Boizot (1743-1809). As obras passaram a ser entalhadas em menores dimensões, com o propósito de atenderem à demanda de souvenir ou exclusivamente entalhadas, sob medida, com a finalidade de harmonizar com a decoração ou de complementar a Arquitetura. Além do mármore, da madeira e do gesso, os escultores passaram a utilizar outros materiais, como a argila, o ouro, a prata e até mesmo a porcelana, que se tornou o material mais popular, para a confecção de objetos decorativos de pequeno porte.

Fig. 5 – Vênus das Pombas, Etienne-Maurice Falconet 1716 – 1791, sem data, mármore, escultura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.
Fig. 5 – Vênus das Pombas, Etienne-Maurice Falconet 1716 – 1791, sem data, mármore, escultura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

Mas talvez tenha sido na Pintura que o espírito cortesão do Rococó tenha ficado mais cristalino. Também em menores dimensões, os quadros ficaram livres da dramaticidade, apresentavam o luxo e a magnificência dos trajes e dos salões, pomposamente decorados ou então, as cenas eram em meio à natureza, nos jardins, com cores pálidas, entremeadas de azuis, de verdes e de rosas. Entre os nomes de grande relevância, estão os franceses, Jean-Honoré Fragonard (1732-1806), François Boucher (1703-1770) e Jean-Antoine Watteau (1684-1721); e o italiano Giambattista Tiepolo (1696-1770).

Fig. 6 – Uma donzela, Clodion 1738 – 1814, datada 1770, mármore, escultura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.
Fig. 6 – Uma donzela, Clodion 1738 – 1814, datada 1770, mármore, escultura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

Despreocupadas, as pessoas da pintura de Fragonard (Fig. 7) parecem não dar importância para a passagem do tempo. A elas o que importa é a brincadeira e o vai e vem em meio a sua deliciosa correria, um capricho do artista, que proporcionou à cena, um efeito visual de movimento. O colorido das vestes e dos corpos se destaca, em meio à paisagem verde, natural, em seus diferenciados tons. E pode ser que entre as conversas e as brincadeiras o sol já queira descansar, está amarelinho, no horizonte, pintando tudo com as nuances da tarde. Ao fundo, as árvores estão menores, mais distantes, em tons azulados, o que deixa claro o capricho do artista, em seu trabalho com a técnica do ponto de fuga 5. Nos trajes das pessoas, estão os veludos, as sedas e os brocados transparentes, com brilhos, com dobras e com caimentos, muito característicos da obra do artista. A roupagem também fica em evidência na obra de Boucher (Fig. 8). Além dos tecidos acetinados abundantes e coloridos, as pregas, as rugas e as sedas, contrastam com o verde da natureza, ao redor. Na cena bucólica, duas amigas se ocupam em confiar segredos amorosos. Nas duas alegorias de Boucher (Figuras 9 e 10), o artista personificou a Arte da Música e da Pintura. De maneira metafórica, ambas são representadas por duas lindas mulheres jovens, envoltas em muitos tecidos, rodeadas por anjos, em meio a nuvens.

Fig. 7 – Um Jogo de Cavalo e Corredor, Jean Honoré Fragonard 1775-1780, datada 1775/1780, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.
Fig. 7 – Um Jogo de Cavalo e Corredor, Jean Honoré Fragonard 1775-1780, datada 1775/1780, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

Inspirada na alegria, na natureza e no amor, a Arte do Rococó deixou à mostra a elegância da vida da corte e da aristocracia; o amor cortês; e um certo espírito erótico. A leveza e o refinamento desse estilo, entretanto, foram alvos da crítica da época, pela falta de um conteúdo mais sério, dado seu sentido decorativo. Para Voltaire (1694-1778), filósofo iluminista 6 francês, da época, o Rococó corrompia a Arte, era um estilo superficial e cortesão. Mas a despeito das críticas, é inquestionável a beleza das obras do Rococó, em seus detalhes ornamentais, na sutileza dos temas e na graça dos movimentos delicados, e dos gestos.

Fig. 8 – A Carta de Amor, François Boucher 1703 – 1770, datada 1750, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Timken Collection.
Fig. 8 – A Carta de Amor, François Boucher 1703 – 1770, datada 1750, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Timken Collection.

Antes entretanto, de interceder pela Estética do Rococó, cabe fazer um passeio pelo campo da Filosofia e buscar uma definição do que é Belo. Segundo Kant (1998, p. 165), filósofo alemão, do período, “Belo é o que apraz no simples julgamento (logo, não mediante a sensação do sentido, segundo um conceito do entendimento). Disso resulta espontaneamente que ele tem de comprazer sem nenhum interesse”. Para o pensador, que foi um dos pilares do Romantismo, do início do século XIX e entusiasta do Iluminismo, “Artes agradáveis são aquelas que têm em vista simplesmente o gozo; são de tal espécie todos os atrativos, que podem deleitar a sociedade à mesa” (KANT, 1998, p. 209). E talvez seja no campo do Belo que o estilo Rococó firme suas raízes. Não estão em questão aqui, elementos ligados a um significado intrínseco, ou a uma essência complexa, mas ao que é Belo, por si só. O Belo 7 da Arte, que agrada ao olhar, por seu caráter leve e bucólico; que proporcione satisfação por sua simplicidade; que provoque deleite ao olhar, por sua natureza livre. E talvez seja esse o mais notável atributo do Rococó.

Fig. 9 – Alegoria da Música, François Boucher 1703 – 1770, datada 1764, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.
Fig. 9 – Alegoria da Música, François Boucher 1703 – 1770, datada 1764, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

E o século XVIII ainda foi testemunho do Iluminismo, da Revolução Francesa (1789); da Independência do Brasil (1822); viu também nascerem grandes nomes como Kant (1724-1804), Schiller (1759-1805), Isaac Newton (1642-1727), John Locke (1632-1704), Dennis Diderot (1713-1784), Voltaire (1694-1779) e Jean-Jacques Russeau (1712-1778). E foi também nessa época, que Goethe publicou Os Sofrimentos do jovem Werther (1774); e que Cláudio Manuel da Costa, no Brasil, publicou suas Obras Poéticas (1768).

Fig. 10 – Alegoria da Pintura, François Boucher 1703 – 1770, datada 1765, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.
Fig. 10 – Alegoria da Pintura, François Boucher 1703 – 1770, datada 1765, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

O feitio do Rococó viajou ainda para vários países da Europa, migrou para a América e resistiu até meados do século XIX, em algumas regiões. A vivacidade dessa Arte, seus traços, suas formas e suas origens, valeram-lhe merecidamente o título de Patrimônio Nacional, na França. E vale terminar o artigo com uma linda poesia,

Meu coração, uma ave, esvoaçava ditoso,
Livremente planava em torno do cordoalha;
E movia-se a nave a um amplo céu, sem falha,
Como um anjo embriagado a um alto sol radioso.

Qual é esta ilha triste e sombria? É Cítera.
Ela é mesmo um país famoso nas canções
Eldorado banal de nossas ilusões.
Mas olhai-a afinal, pois é uma pobre terra.

– Ilha do coração e das festas do amor!
Da Vênus ancestral a visão soberana
Por cima de teu mar, como um perfume plana.
Nas almas a infundir misterioso langor.

Com teus mirtos azuis, tuas flores gloriosas,
Ilha, devem amar-te por toda nação,
Os suspiros em ti da alma em adoração
São incenso a rolar sobre um jardim de rosas.
(BAUDELAIRE, 2006, p.139)

1 Barroco:
www.obrasdarte.com/barroco-por-rosangela-vig

2 Igreja da Peregrinação:
www.wieskirche.de

3 Igreja do Mosteiro de Rohr, Alemanha:
www.kloster-rohr.de

4 Igreja do Mosteiro de Roggenburg, Roggenburg Alemanha:
www.kloster-roggenburg.de/web/pt/

5 Ponto de Fuga:
www.obrasdarte.com/desenho-estudo-de-perspectiva-passo-a-passo-1-de-como-desenhar-por-rosangela-vig

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6 Surgindo na França, ainda no século XVII, O Iluminismo foi um movimento intelectual que teve seu apogeu no século XVIII. Os iluministas defendiam o uso da Razão, para se alcançar a liberdade; acreditavam que, para a evolução do homem, as crenças religiosas deveriam ser substituídas pelo pensamento racional. Para elas, o conhecimento deveria ser divulgado e, para tanto, criaram a Enciclopédia, que sintetizava informações de várias áreas. O período também foi conhecido como o Século das Luzes e as ideologias acabaram por culminar na Revolução Francesa. Os ideais do Iluminismo ainda influenciaram a Independência dos Estados Unidos e a Inconfidência Mineira, no Brasil. Os principais filósofos foram Denis Diderot (1713-1784), Voltaire (1694-1778), John Locke (1632-1704), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Montesquieu (1689-1755) e Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783). (ABRÃO et all, 2008, p.130)

7 O Belo e o Sublime:
www.obrasdarte.com/a-arte-bela-e-a-arte-sublime-por-rosangela-vig

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Referências:

  1. ABRÃO, Bernardete Siqueira; ROSSI, Maria Alice Manzoni; GHIRALDELLI, Paulo. História da Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna, 2008.
  2. BAUDELAIRE, Charles. As flores do Mal. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006.
  3. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  4. CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. Publifolha, S.Paulo, 2014.
  5. COSTA, Cláudio Manuel da. Poemas Escolhidos. Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 2014.
  6. FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
  7. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  8. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  9. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Lisboa, Portugal: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1998.
  10. MASSAUD, Moisés. A Literatura Brasileira através dos Textos. São Paulo Ed.Cultrix, 2000
  11. VIG, Rosângela Araújo Pires. DA ARTE COMO COMUNICAÇÃO À COMUNICAÇÃO COMO ARTE. Comunicação, Cultura e Mídia, Uniso, Sorocaba: 2010. Disponível em:
    comunicacaoecultura.uniso.br/prod_discente/2010/pdf/Rosangela_Vig.pdf

As figuras:

Fig. 1 – Igreja da Peregrinação, Alemanha. Foto de vichie81.

Fig. 2 – Igreja da Peregrinação, Alemanha. Foto de Markus Gann.

Fig. 3 – Igreja do Mosteiro de Roggenburg, Alemanha. Foto de Markus Gann.

Fig. 4 – Palácio de Catarina, Tsarskoye Selo, Rússia. Foto de RuslanOmega.

Fig. 5 – Vênus das Pombas, Etienne-Maurice Falconet 1716 – 1791, sem data, mármore, escultura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

Fig. 6 – Uma donzela, Clodion 1738 – 1814, datada 1770, mármore, escultura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

Fig. 7 – Um Jogo de Cavalo e Corredor, Jean Honoré Fragonard 1775-1780, datada 1775/1780, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

Fig. 8 – A Carta de Amor, François Boucher 1703 – 1770, datada 1750, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Timken Collection.

Fig. 9 – Alegoria da Música, François Boucher 1703 – 1770, datada 1764, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

Fig. 10 – Alegoria da Pintura, François Boucher 1703 – 1770, datada 1765, óleo sobre tela, pintura, National Gallery of Art, Crédito Samuel H. Kress Collection.

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