Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:
Nada se parece tanto com o que chamamos de inspiração quanto a alegria com que a criança absorve a forma e a cor. Ousaria ir mais longe: afirmo que a inspiração tem alguma relação com a congestão e que todo pensamento sublime é acompanhado de um estremecimento nervoso, mais ou menos intenso, que repercute até no cerebelo. O homem de gênio tem nervos sólidos, na criança eles são fracos. Naquele, a razão ganhou um lugar considerável; nesta, a sensibilidade ocupa quase todo seu ser. (BAUDELAIRE, 2007, p.19)
A sensibilidade de que nos fala Baudelaire diz respeito ao entusiasmo, próprio do coração do artista, em seu transcender de emoções. É como se a natureza fizesse questão de ostentar suas cores e suas formas, induzindo o artífice à sedução. Arrebatado, ele se empolga e se perde diante de tudo o que vê, feito uma criança extasiada a descobrir o mundo. A imagem que se apresenta atravessa o sutil campo do imaginário e se torna real por suas mãos, em sua poética maneira de demonstrar o que vê. É por essas linhas que a Arte fala e que, pelos tempos, tem se demonstrado fecunda.
E se o tempo tem trazido bons frutos, foi na modernidade que Arte abriu suas portas para o espírito criativo. O final do século XIX foi testemunho de muitas dessas inovações e dessas novas feições que então despontavam e passariam a fazer parte da estética que se manteve até meados do século XX.
Nesse período, o mundo presenciava o surgimento das máquinas e da produção em larga escala 1. A invenção do cinematógrafo, no final do século XIX, pelos irmãos Lumiére, possibilitaria que as imagens pudessem ser vistas em movimento, dando origem à Sétima Arte 2, o cinema. As novas tecnologias permitiriam ainda que o ser humano voasse, no início do século XX. E não há dúvidas de que a invenção da Fotografia, pelo francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833), em 1826, foi de grande valia para que a Pintura Moderna ampliasse em significado e em formas. Enquanto a realidade seria a incumbência da fotografia, a Arte poderia se aproximar do mundo das ideias, de forma autônoma.
Pintura
Tudo se parece maravilhoso nesse momento e a luz é deslumbrante. (MONET in HOLMES, 2001, p.100)
Na estética, Paris foi o berço das tendências inovadoras do século XX. Ali, um grupo de artistas, no final dos anos 1860, ávidos por se desvencilharem do realismo, juntaram-se para compartilhar ideias. Entre os participantes desses encontros, destacavam-se os nomes de Frédéric Bazille (1841-1870), Paul Cézanne (1839-1906), Edgar Degas (1834-1917), Edouard Manet (1832-1883), Claude Monet 3 (1840-1926), Camille Pissarro (1830-1903), Auguste Renoir (1841-1919), Alfred Sisley (1839-1899) e a pintora Berthe Morisot (1841-1895) (BUGLER, 2014, P.276). Juntavam-se a eles, escritores, críticos e outros intelectuais da época. Das reuniões desse grupo, surgia não somente o anseio por exibir as obras fora dos salões e das mostras oficiais, mas emergia também a vontade de se libertar do academicismo. Os cenários deveriam ser os da vida diária, o que revela a influência do Realismo e do Naturalismo, dos anos 1840, de Gustave Courbet (1819-1877). Os cenários deveriam ser urbanos, captados num primeiro olhar, em determinados momentos do dia, sob efeito da luminosidade solar, por meio de manchas, sem a mistura de cores, como se a luz fosse captada em seu momento de permear a natureza, as pessoas e os objetos. Os artistas foram para fora de seus ateliês, fizeram de cenários urbanos e campestres, seu local de trabalho. De sua proposta revolucionária e liberal, florescia um estilo pictórico único que valorizava a luz natural, proporcionando ao olhar, a sensação final de impressão de luminosidade.
E é iluminada pela luz natural que Madame Monet passeia com seu filho, em meio à vegetação baixa (Fig. 2). Ambos se protegem do sol. O menino com um chapéu, sua mãe com a sombrinha, que ameaça voar com a brisa. A intensa claridade deixa óbvio o calor, amenizado talvez, pelo vento que parece agitar a vegetação, o vestido e os cabelos da primeira mulher de Monet. A luz vem por trás do horizonte e dos personagens da cena, projetando as sombras para a frente deles. A falta de nitidez dos contornos reforça a ideia de movimento e de impressão de luz sobre toda a imagem. Essa impressão é acentuada pelo uso de cores puras que podem passar despercebidas, a um primeiro olhar, mas são elas que possibilitam o resultado final de mistura ao observador, objetivo maior dos impressionistas. No jogo da perspectiva, os protagonistas parecem estar numa pequena colina e o observador parece se localizar abaixo deles.
O mesmo efeito de perspectiva também está na Catedral de Rouen (Fig. 4), cuja sensação de grandiosidade se acentua com a posição do observador, abaixo dela. Monet pintou a mesma construção em diversos horários do dia, em várias épocas do ano, enfatizando os diferentes efeitos que a incidência de luz promovia.
Um final de tarde é o protagonista na figura 5. As Casas do Parlamento estão pouco iluminadas e quase nada se vê de seus detalhes, já escurecidos, em virtude do sol, que já se põe atrás da torre mais alta. O cinza da construção contrasta com o céu, que irradia as mais belas cores de um final de tarde. É possível perceber a escala tonal indo do mais escuro para o mais claro, tingindo a tela de azul, lilás, rosa, vermelho, laranja, amarelo e branco. As cores ainda espelham-se pelas águas do rio Tâmisa com as mesmas nuances. É possível notar cada pincelada e, apesar de ser um final de tarde, a tela resplandece em luz.
Diferentemente dos outros impressionistas, Edgar Degas preferia os ambientes internos. Seus temas eram principalmente as bailarinas, os espetáculos, a ópera e os concertos. Suas obras podem ser vistas como o flagrante de um momento em que as pessoas não se dão conta de que estão sendo fotografadas. Apesar dos ambientes serem, muitas vezes, internos, suas obras são repletas de luz, de movimento e de leveza. Em suas composições, é a luz artificial que ilumina e que promove o efeito sobre os corpos e os rostos, no instante de um movimento ou de uma expressão. Em sua Aula de Dança (Fig. 8), é possível perceber que o desenho é mais valorizado e os detalhes da cena ficam mais evidentes. Os vestidos e seus laços coloridos esvoaçantes não são completamente delineados, uma vez que o tecido é translúcido e está em pleno movimento. A luz que clareia a sala é tênue, mas não escurece por completo o ambiente. É possível ouvir os sons dos passos nas escadas e no chão de madeira.
A última exposição dos impressionistas se deu em 1886, na França, quando o grupo se dispersou e o estilo foi abandonado. Dois artistas que fizeram parte da mostra, Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935) aprofundaram-se em pesquisas sobre as técnicas dos impressionistas e as modificaram para a justaposição de cores. Florescia então o Pontilhismo, como uma evolução do Impressionismo. E o movimento ainda influenciou parte da obra de Van Gogh, embora o artista tenha passado por vários estilos, em sua pintura e seja considerado Pós-Impressionista.
Escultura
Os efeitos momentâneos de luz e de tonalidade, causados pelas pinceladas com cores intensas e a falta de nitidez das imagens foram as principais marcas da Pintura Impressionista e serviram de inspiração para Auguste Rodin (1840-1917).
O escultor chegou a ser considerado realista, simbolista e expressionista, mas seu estilo também transitou pelo Impressionismo. O artista acreditava que as imperfeições e a sensação de rugosidade da escultura poderiam proporcionar a impressão de que a imagem estaria brotando ou nascendo, a partir de uma pedra. Além disso, a luminosidade sobre a superfície imperfeita proporcionaria a sensação de dinamismo, de força e de emoção. O escultor, muitas vezes, deixava grande parte da escultura, em meio à pedra bruta, como se a imagem estivesse tentando se desvencilhar de uma rocha.
A obra “O Homem de Nariz Quebrado” chegou a ser considerada inacabada pela crítica da época. Assim como os impressionistas do período, o escultor buscava se desprender da realidade. Tal noção fica nítida na obra Mulher com uma Criança (Fig. 14), que parece estar em formação, saindo das entranhas de uma rocha bruta. Os protagonistas da cena estão em meio à pedra, e parecem brincar. A superfície não é lisa, tem a aspereza da pedra. O efeito da luz sobre as reentrâncias é o que fomenta a impressão de dinamismo. A imagem final se compõe pelo olhar de quem a vê.
Sua principal obra, O Pensador, representa Dante, diante dos portões do Inferno. Embora a escultura original tenha sido feita em 1880, o artista permitiu que se fizessem mais 20 cópias. Influenciado pelo Renascimento, o escultor referiu-se ao interior e à alma, do homem que pensa, que reflete, indo assim, para além do mundo físico. Feita em bronze, a escultura apresenta proporção e detalhes do corpo humano. É possível perceber ossos, músculos, feições e movimento, mas a superfície apresenta saliências, o que pressupõe não somente a ideia de pedra bruta, como a impressão de movimento e de ligação da escultura com a própria pedra de onde ela emerge.
Desprendido da realidade, Rodin chegou a deixar evidentes as marcas de seus dedos, em meio às reentrâncias de suas esculturas buscando captar apenas a essência, das imagens. Muitas vezes o escultor deixava grande parte da pedra em sua forma bruta, captando apenas parte das figuras e personagens, levando o olhar a uma busca pela imagem completa. Para ele, a falta de acabamento poderia fomentar a imaginação.
Considerações Finais
Agora eu não posso relaxar; as cores me perseguem como uma preocupação constante, até mesmo em meu sonho. (MONET in HOLMES, 2001, p.145)
Classificados muitas vezes, pela crítica, como rebeldes, os impressionistas ousaram modificar os conceitos da Pintura e da Escultura figurativas, deixando as impressões do que viam. A luz passou a ser tratada como parte da obra, por seus efeitos sobre as pessoas e sobre as coisas.
Ao se aplicar à Literatura, o estilo impressionista se atreveu descrever os estados de alma, as emoções e as impressões sensoriais, valorizando os aspectos psicológicos. Na França, Marcel Proust (1871-1922) publicava entre 1913 e 1927, sua obra Em Busca do Tempo Perdido. Em Portugal, Florbela Espanca (1894-1930) revelava extrema sensibilidade, expunha sofrimentos e erotismo; trazia à tona estados de alma, muitas vezes mórbidos, repletos de figuras de linguagem. O dramatismo de seus textos, quase imagísticos, chegaram a classificar a escritora portuguesa com um estilo único, que transitou por correntes impressionistas, simbolistas, românticas, e modernas.
Não há dúvida de que as novas tecnologias, entre as quais a fotografia, acabaram por modificar os conceitos que até então havia sobre a Arte. Aos artistas, coube explorar esses meios e transformar a Arte em Arte, passando por seu imaginário e por seu entusiasmo diante da liberdade que se oferecia então. A inspiração sentiu-se livre para extrapolar e o artista transcendeu.
Minh’alma, de sonhar-te anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo meu amor a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!Tudo no mundo é frágil, tudo passa…
Quando me dizem isso toda a graça
Duma boca divina fala em mim!E, olhos postos em ti, digo de rastros:
Ah podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!
(ESPANCA, 2007, p.17)
1 A Revolução Industrial se deu entre 1760 e 1840, com as máquinas a vapor. A segunda fase, entre 1860 e 1900, engloba as novas tecnologias com o uso motor a explosão e da energia elétrica; com o uso de combustíveis e de materiais, entre os quais, o aço. A alguns estudiosos, os séculos XX e XXI são testemunhos da terceira fase da Revolução Industrial, da qual fazem parte, os computadores, celulares e engenharia genética.
2 O termo Sétima Arte foi dado pelo crítico de cinema italiano Ricciotto Canudo (1877-1923), em 1911, em um Manifesto das Sete Artes e Estética da Sétima Arte. Para o intelectual, as Artes se dividem em Arquitetura, Escultura, Pintura, Música, Dança, Poesia e Cinema.
3 Filme de 1915 em que Monet está pintando as Ninféias:
www.youtube.com/watch?v=Mt17zgixo78
Referências:
- BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007.
- BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
- CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. São Paulo: Publifolha, 2014.
- ESPANCA, Florbela. Antologia de Poemas para a Juventude. São Paulo: Editora Peirópolis, 2007. (Organização de Denyse Cantuária)
- FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
- GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
- HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
- HOLMES, Caroline. Monet at the Giverny. Reino Unido: Weidenfeld & Nicolson, 2001.
- POE, Edgar Allan. A Filosofia da Composição. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. Tradução: Léa Viveiros de Castro.
- PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 2005.
- VIG, Rosângela Araújo Pires. DA ARTE COMO COMUNICAÇÃO À COMUNICAÇÃO COMO ARTE. Comunicação, Cultura e Mídia, Uniso, Sorocaba: 2010. Disponível em:
comunicacaoecultura.uniso.br/prod_discente/2010/pdf/Rosangela_Vig.pdf
As figuras:
Fig. 1 – Bazille e Camille, Estudo de Café da Manhã no campo, Claude Monet, 1865. National Gallery of Art, Washington. Ailsa Mellon Bruce Coleção.
Fig. 2 – Mulher com guarda-sol, Madame Monet e seu filho, Claude Monet, 1875. National Gallery of Art, Washington. Coleção de Mr. and Mrs. Paul Mellon.
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Fig. 3 – O Jardim do Artista em Vétheuil, Claude Monet, 1880. National Gallery of Art, Washington. Ailsa Mellon Bruce Coleção.
Fig. 4 – Catedral de Rouen, Fachada Oeste sob a Luz do Sol, Claude Monet, 1894. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Coleção.
Fig. 5 – As Casas do Parlamento, Pôr do Sol, Claude Monet, 1903. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Coleção.
Fig. 6 – Palazzo da Mula, Veneza, Claude Monet, 1908. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Coleção.
Fig. 7 – A Passarela Japonesa, Claude Monet, 1899. National Gallery of Art, Washington. Presente de Victoria Nebeker Coberly, em memória de seu filho John W. Mudd, e Walter H. e Leonore Annenberg.
Fig. 8 – A Aula de Dança, Edgar Degas, 1873. National Gallery of Art, Washington. Corcoran Coleção (William A. Clark Coleção).
Fig. 9 – Antes do Balé, Edgar Degas, 1890-1892. National Gallery of Art, Washington. Widener Coleção.
Fig. 10 – A Irmã da artista, Edma, sentada em um Parque, Berthe Morisot, 1864. National Gallery of Art, Washington. Ailsa Mellon Bruce Coleção.
Fig. 11 – Jovens Camponesas Descansando nos Campos perto de Pontoise, Camille Pissarro, 1882. National Gallery of Art, Washington. Coleção de Mr. and Mrs. Paul Mellon.
Fig. 12 – A Estrada de Ferro, Edouard Manet, 1873. National Gallery of Art, Washington. Presente de Horace Havemeyer em memória de sua mãe, Louisine W. Havemeyer.
Fig. 13 – Primeira Nevasca em Veneux-Nadon, Alfred Sisley, 1878. National Gallery of Art, Washington. Doado por Lolo Sarnoff em memória de seu avô, Louis Koch.
Fig. 14 – Mulher com uma Criança, Auguste Rodin, 1885. National Gallery of Art, Washington. Presente da Sra. John W. Simpson.
Fig. 15 – O Pensador, Auguste Rodin, modelo 1880, fundido em 1901. National Gallery of Art, Washington. Presente da Sra. John W. Simpson.
Fig. 16 – O Beijo, Auguste Rodin, modelo 1880-1887, fundido entre 1896-1902. National Gallery of Art, Washington. Presente da Sra. John W. Simpson.
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ROSÂNGELA VIG
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