Primeiros Traços da Arte Moderna – Expressionismo Abstrato no Brasil por Rosângela Vig

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Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:

Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.
Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
(BANDEIRA, 2008, p.41)

Fevereiro de 1922 foi o marco para um novo capítulo das Artes, da Literatura e da Estética no Brasil. Manuel Bandeira teve grande participação como influenciador, embora não estevivesse presente no dia da abertura da Semana de Arte Moderna. Criticando os Parnasianos, seu poema acima Os Sapos, foi declamado pelo poeta Ronald Carvalho (1893-1935), abrindo o evento e gerando estranheza por parte do público. E a Literatura Brasileira nunca mais foi a mesma.

Em meio à efervescência de pensamentos e de correntes que despontavam, o Moderno estético chegava ao Brasil influenciado pelas vanguardas européias, apresentando uma essência nacional, com a História que o país vivia, com a riqueza de cores, de pensamentos e dos próprios desassossegos das terras brasileiras. Num cenário em que duas Grandes Guerras assolavam o mundo; Revoluções internas geravam inquietações; o Brasil ainda era um país em crescimento, para onde se dirigiam imigrantes de outros países fugindo das guerras.

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Em meio a um conturbado contexto a Cultura brasileira não se cansava de diversificar, de se construir, matizada pelas cores das matas e pela alegria e criatividade de um povo receptivo.

Tal gênio criativo foi conduzido para o campo da Estética e das Artes. Assim como a Poesia, a Arte renovou seus traços e divergiu dos padrões clássicos. Assim chegou ao Brasil o estilo Expressionista, trazido por Lasar Segall (1891-1957), Anita Malfatti (1889-1964) e Cândido Portinari (1903-1962).

E o Expressionismo Abstrato veio a seguir com as obras de Manabu Mabe (1924-1997), Tomás Ianelli (1932-2001) e Yolanda Mohalyi (1909-1978). Um ano antes da Primeira Bienal de São Paulo, em 1949, o pintor moldávo Samson Flexor (1907-1971) criou o ateliê e escola Abstração, consolidando o estilo no Brasil. Nesse campo se destacou Antônio Bandeira (1922-1967) que aderiu ao padrão, incorporado indícios de realismo.

Expressionismo Abstrato

Quando a alma já se dói
Do muito corpo a corpo
Com o em volta confuso,
Sempre demais, amorfo

Se dói de lutar contra
O que é inerte e a luta,
coisas que resistem
E estão vivas, se mudas.

Para chegar ao pouco
Em que umas poucas coisas,
Revelam-se compactas,
Recortadas e todas,

E chegar entre as poucas
à coisa e ao miolo
dessa coisa, onde fica
seu esqueleto sem caroço,

que então tem de arear
ao mais limpo, ao perfil
asséptico e preciso
do extremo do polir; (…)
(NETO, 1975, p.16)

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) fez parte da Terceira Geração de escritores do Modernismo (1945-1960) e sua Poesia apresenta rigor formal e equilíbrio, além de um texto mais racional e objetivo. Há influência de correntes Expressionistas, Surrealistas e Dadaístas em sua obra, há traços abstracionistas quando expõe o que sente. Ao leitor, é possível descortinar as idéias e sensações do poeta que vão surgindo de maneira aleatória, com sonoridade, com nitidez, como imagens de uma Pintura Abstrata.

Se as palavras são o Norte da Poesia, convertendo-a em imagem; as figuras e as cores se encarregam de traduzir a Pintura em palavras. No caso da Pintura que se distancia da realidade, como o Expressionismo Abstrato, a comunicação se consolida no dinamismo e no contraste das tonalidades; nas formas que se chocam de forma aleatória e que parecem se impor como protagonistas de uma cena. É como se tudo se movimentasse na cena e cada elemento interagisse com energia e com vigor. Yolanda Mohalyi iniciou com o figurativo e entre 1960 e 1970 seu trabalho evoluiu para o Expressionismo Abstrato. Tomás Ianelli deixou à mostra em seu trabalho, a habilidade com a cor e ousou combinar, inserir e permear suas cenas com tonalidades que poderiam parecer impossíveis.

Manabu Mabe se aproximou do estilo de uma maneira mais gestual, utilizando campos de cores extensos e tonalidades contrastantes. É possível perceber traços da Arte Japonesa em sua obra, na aplicação e na sobreposição de formas. Na Figura 1, a Flor do Mar parece emergir flutuando, em meio a uma sombra que insiste em ficar. Seu domínio sobre a cor fica evidente no contraste de escuro e claro. Fica ainda nítida a habilidade do artista no equilíbrio da forma e dos tons corretos. E, a despeito dos pontos escuros, a obra tem luz própria.

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Abstracionismo

Distanciando-se do convencional, o conceito de Arte Abstrata está muito ligado ao uso de cores e de formas. Antônio Bandeira (1922-1967) aderiu ao abstracionismo, incorporando a ele indícios de realidade. O estilo próprio de sua obra se revela nas linhas geométricas, no uso de cores fortes e vivas contrastantes com os fundos monocromáticos, os protagonistas de sua obra estão muitas vezes escondidos em meio ao emaranhado de teias que insiste em ficar. Seus protagonistas emergem como pontinhos luminosos em suas telas. Seu trabalho o tornou pioneiro desse estilo no Brasil.

Apesar dos questionamentos e das críticas, a Arte Abstrata valorizou a emoção e a intuição, desligando-se do óbvio e do real. Esse estilo foi visto como a Arte pura, porque não recebe influência do mundo real e obedece às leis do espírito e do intelecto.

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Considerações Finais

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
(MORAES, 2009, p. 311)

Como construtores da Cultura, os poetas, os escritores, os artistas vão aos poucos edificando conhecimentos e impressões, construindo trilhas pelas quais iremos repousar o olhar encantado. Galgando por esse caminho, construímos nossas emoções, seguimos nossos caminhos e construímos nossas próprias histórias, compartilhando do conhecimento assimilado.

Ao conquistar tais caminhos abrimos portas para realidades além do olhar, divisamos novas fronteiras, transcendemos. Dessa forma a Arte proporciona sensações agradáveis ao espírito, ativa os sentidos e eleva. E se a Grande Arte permite isso, pode ser que a fruição conduza a profundas experiências na apreciação da Arte que se distancia da realidade. Abstrair é divagar, abraçar novos horizontes e por eles trafegar livremente, em estado consciente.

Entregar-se a um estado de contemplação é como oferecer um mimo ao espírito e permitir que ele respire livremente, sem a sufocante carga diária. É como aliviar o peso do próprio corpo e se entregar ao êxtase.

Compre as obras de Manabu Mabe no site: www.bg1.com.br

Referências:

  1. ANDRADE, Mário. Poesias completas. São Paulo: Editora Itatiaia, 1987.
  2. BANDEIRA, Manuel. Bandeira de Bolso. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008.
  3. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  4. BILAC, Olavo. Antologia Poética. Porto Alegre: Ed. L & PM Pocket, 2007.
  5. CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. São Paulo: Publifolha, 2014.
  6. FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
  7. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  8. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  9. MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira atrvés dos Textos. São Paulo: Editora Pensamento Cultrix Ltda., 1971.
  10. MORAES, Vinícius. Antologia Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
  11. NETO, João Cabral de Melo. Museu de Tudo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975.
  12. PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 2005.

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