(…)
Então só essa pintura
De cores em voz alta
Cores em linha reta
Despidas, cores brasa.Só tua pintura clara,
De clara construção
Desse construir claro
Feito a partir do não.
(…)Só essa pintura pode,
Com sua explosão fria,
Incitar a alma murcha,
De indiferença ou acídia.E lançar ao fazer
A alma de mãos caídas,
E ao fazer-se, fazendo
Coisas que a desafiam.(MELO NETO, 1975, p.18, 19)
Inaugurando um novo estilo de fazer poesia, João Cabral de Melo Neto (1920-1999) trabalhou com a linguagem de forma moderna, sucinta e direta. Seus textos apresentam nítidas influências dos artistas do Modernismo como Georges Braque e Pablo Picasso, do Cubismo; Joan Miró, do Surrealismo; e sobretudo de Piet Mondrian, do Abstracionismo Geométrico. Para o escritor, a construção do poema era como a edificação de uma casa; deveria revelar as emoções de maneira objetiva, e concreta. Em seus textos, distanciava-se da emocionalidade excessiva e apelava para o formal.
Na poesia acima, as palavras do poeta descrevem a pintura de Mondrian e as sensações por ela engendradas. Na obra do artista, como um tapete, as cores puras desenrolam-se, estendem-se e se dispõem geometricamente, sobre a tela alva, separadas por linhas retas que vão, aos poucos, delimitando territórios coloridos. A poesia de João Cabral de Melo Neto dialoga com a pintura de Mondrian. Nas duas, há a linearidade, a linguagem direta e a formalidade, como na construção de um edifício.
Quanto ao pintor, suas cores se encaixam e se sobrepõem, bem distribuídas, na dose exata. Compondo um quebra-cabeças, suas peças se ajustam na medida certa, de maneira linear. O nada se transforma em colorido painel entremeado de linhas pretas e provoca o olhar, com seu colorido vivo, alegre. Seu desafio de ser direto e de organizar as cores e as linhas, trouxe para a História da Arte, uma pintura diferenciada, um novo modelo, cunhado pelo próprio Mondrian de Neoplasticismo.
Em 1917, Mondrian, Theo van Doesburg (1883-1931) e outros artistas que aderiram ao movimento neoplástico, publicaram, na Holanda, a revista “De Stijl’’ (O Estilo) que funcionava como um fórum de compartilhamento de novas ideias, no campo da Estética e da Filosofia. Theo van Doesburg, no auge do movimento, entre 1921 e 1925, promoveu palestras e performances com a intenção de reforçar a tendência. Esses eventos acabaram por levar o movimento para a Bauhaus, o que viabilizou ao Movimento Neoplástico, entrar para o mundo da Moda, do Design, da Decoração e do Cinema. O próprio estilista Yves Saint-Laurent, além de adquirir ele mesmo um quadro de Mondrian, desenhou uma coleção de vestidos com as estampas do artista.
Várias obras do Movimento De Stijl poderão ser vistas, até o dia 4 de abril, no Centro Cultural do Banco do Brasil, em São Paulo, e depois seguem para Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, até o mês de janeiro de 2017. Protagonizando a mostra, estão várias pinturas de Mondrian, que atestam seu traço evolutivo, rumo ao Abstracionismo Geométrico. Podem ainda ser vistas pinturas de outros artistas, fotografias, esculturas, objetos, e cadeiras, que reforçam a ideia das linhas retas e das cores puras do Neoplasticismo.
Nas figuras 1, 2 e 3, as cores cruas, dispostas de maneira linear, pressupõem uma forma organizada de Arte, um modo justo de se preencher a tela branca e de se acondicionar as formas geométricas. E ainda há que se pensar em uma espécie de jogo, proposto pelo artista, na forma como tudo se assenta ordenadamente na tela. Tal interpretação também pode ser aplicada ao objeto de Design, apresentado na figura 4. A cadeira, se vista em diferentes ângulos, pode levar à ideia de materialização da pintura. Suas geometrias se encaixam, tornam-se chapadas, quando vistas de frente, lembrando a tela de Mondrian. Nos objetos, as mesmas linhas se acomodam, como se estivessem se movendo lentamente sobre a superfície que ocupam. O arranjo organizado das cores, dos retângulos e dos quadrados apuram o olhar para a estética pura, para uma Arte formal. É como se as cores resolvessem se juntar aos planos e construir um harmonioso conjunto colorido, simétrico e com o mais profundo significado de Arte.
Os nítidos traços do Modernismo ficaram impressos na linguagem racional do pintor, em seu cuidadoso dispor de linhas; e também na poesia de João Cabral de Melo Neto, em seu preciso palavrear. Um pouco da Arte de Mondrian se desenha nas linhas do poeta, no cuidadoso deslocamento de cores e de placas que, aos poucos, preenchem o nada. A ambos o imediato, na forma, na cor e na palavra.
É mineral o papel
Onde escrever
O verso; o verso
Que é possível não fazer.São minerais
As flores e as plantas,
As frutas, os bichos
Quando em estado de palavra.É mineral
A linha do horizonte,
Nosso nome, essas coisas,
Feitas de palavra.É mineral, por fim,
Qualquer livro:
Que é mineral a palavra
Escrita, a fria natureza
Da palavra escrita.(MELO NETO in MASSAUD, 1971, p.551)
Referências:
MELO NETO, João Cabral. Museu de Tudo. São Paulo: Ed. José Olympio, 1975.
FARTHING, Stephen. Tudo sobre Arte. Rio de Janeiro: Ed. Sextante, 2010.
MASSAUD, Moisés. A Literatura Brasileira através dos Textos. São Paulo: Ed. Cultrix, 1971.
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As figuras:
Fig. 1 – Composição com grade 8: composição xadrez com cores escuras, Piet Mondrian, 1919.
Fig. 2 – Composição com grande plano vermelho, amarelo, preto, cinza e azul, Piet Mondrian, 1921.
Fig. 3 – Composição de Linhas e Cor: III, Piet Mondrian, 1937.
Fig. 4 – Cadeira Vermelho Azul, Gerard van de Groenekan, 1923.
ROSÂNGELA VIG
Sorocaba – São Paulo
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Colunista no Site Obras de Arte
E-mail: rosangelavig@hotmail.com