Em sua 25ª edição Projeto Respiração traz o “Devir Indígena” dos premiados artistas Denilson Baniwa e Gustavo Caboco

Com curadoria de Marcio Doctors e Paula Alzugaray as intervenções que tomam a Casa Museu Eva Klabin mostram a forte pulsão da nova ordem da arte contemporânea

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A Casa Museu Eva Klabin inaugura dia 17 de setembro (sábado) a partir das 17h, a 25ª edição do projeto Respiração com a exposição Devir indígena, dos premiados artistas Denilson Baniwa e Gustavo Caboco. No ano em que se comemoram efemérides como os 200 anos de Independência do Brasil e os 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, trazer a linguagem e a energia criadora das matrizes originárias são de relevante importância.

Se, na invenção da arte moderna, a arte ocidental tomou emprestada a forma das matrizes dos povos originários indígenas e africanos para se reinventar formalmente e se expressar, sem lhes dar a devida voz; hoje, são os povos originários de matriz indígena e africana e os marginalizados pela sociedade de poder patriarcal que tomam emprestado a forma da arte contemporânea para se expressar.  Suas vozes hoje são ouvidas. É uma conquista espiritual que rearticula as relações éticas da nossa sociedade com base na estética”, diz Marcio Doctors, curador da Casa Museu Eva Klabin e que divide a curadoria da exposição comPaula Alzugaray  

O Projeto Respiração começou em 2004 com o objetivo de criar intervenções de arte contemporânea no ambiente de arte clássica da Casa Museu Eva Klabin, criando um contraste entre a arte consagrada do passado e a arte da atualidade.  A ideia desta edição foi de permitir um contato direto com a expressão artística dos povos Baniwa e dos Wapichana, com o intuito de lhes dar lugar de fala e de expressão. Não se trata de falar por, como fez a semana de arte moderna de 22, mas fazer com que suas vozes sejam ouvidas.

 “Não se pode pensar o mundo contemporâneo sem levar em conta a aderência que essas ideias produzem na nossa maneira de ver, sentir e perceber o mundo. Foi a partir dessa percepção que Denilson Baniwa e Gustavo Caboco foram convidados a participar da 25ª edição do Projeto Respiração. Suas intervenções trouxeram anima para a fossilização do presente, desencadeando uma reflexão potente sobre a vivência do tempo na Casa Museu Eva Klabin e na nossa sociedade”, complementa Marcio Doctors  

A arte indígena contemporânea vem relativizando códigos, cânones e certezas que a arte ocidental tentou naturalizar. Caboco e Baniwa atravessam a Casa Eva Klabin com a potência de nos fazer rever conceitos, palavras e a linguagem usada para dialogar com a arte. A relação de parentesco está entre esses conceitos que assumem conotações diversas e complexas entre os povos originários. Embora tenha especificidades, esse vínculo pode ganhar uma dimensão subjetiva e afetiva mais ampla, se articulando em torno ao projeto cultural e político de formação de uma grande comunidade. Então, em vez de pensarmos as intervenções dos dois artistas neste espaço como ações individuais, ou mesmo como um projeto coletivo, podemos pensar em uma exposição tecida por laços entre parentes”, contextualiza a crítica e curadora Paula Alzugaray

A exposição

Tudo começou com uma prospecção do espaço da casa e do seu entorno. Nesse exercício de descoberta, os dois artistas visitaram a mata atrás da casa Museu Eva Klabin, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Corte de Cantagalo, a coleção e a reserva técnica da casa. Da mata, da água, da pedra e da arte foram extraindo suas percepções.

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Denilson Baniwa leva a mata para dentro da casa Museu Eva Klabin através de uma projeção em tempo real. Essa projeção gera uma lagarta, que atravessa diferentes ambientes da casa, como comentário da passagem do tempo de construção e reconstrução (ovo | lagarta | crisálida | borboleta). A lagarta tokotó-xeni tem uma grande importância para os Baniwa porque durante a estação das chuvas – que corresponde ao período em que foi trabalhada a intervenção — a raiz das árvores apodrece e quando a lagarta aparece para comer as folhas, ela chega para anunciar que o terreno está pronto para o plantio. A aparição da lagarta é o prenúncio da mudança, mas de uma mudança viva, que se metamorfoseia em diferentes maneiras de existir no tempo, na sua forma e na ocupação do espaço. Há nessa camada de sentido, trazida para o interior da casa, uma similaridade com a proposta do Projeto Respiração, que é de criar camadas criativas com mudanças do espaço da casa, instaurando uma outra temporalidade, que nos questiona sobre a passagem do tempo e sua cristalização implícita na ideia de museu.

A lagarta finaliza seu trajeto ao se encontrar com a pintura-cosmo no teto do quarto de Eva Klabin. Ela nasce de uma imagem projetada e escapa por uma pintura em direção ao cosmo. Cria uma circularidade e uma união entre a transformação do espaço e o tempo da criação. Ao reconfigurar o espaço, instaura o tempo mutante da criação. A lagarta vai deixando seus ovos, que se transformam nas Pedras-Casulo criadas por Gustavo Caboco.

A relação emocional com o espaço foi muito inspiradora.  Pretendo refletir esta relação, a casa que já foi uma residência e hoje é outra coisa, a mudança da paisagem no entorno, a transformação da paisagem, da cidade e como nós nos relacionamos com estas transformações”, diz Denilson Baniwa

A articulação criadora da intervenção de Gustavo Caboco se deu a partir de duas ideias. A primeira foi a ideia de corte, presente na própria nomeação do Corte de Cantagalo, contiguo à Casa Eva Klabin, que liga Copacabana à Lagoa. Uma pedra que foi cortada, cuja terra daí extraída se encontra, hoje, no fundo da lagoa. Ele se pergunta se o que antes era topo do morro não é agora fundo da lagoa? Lança uma percepção contrária à lógica da eficiência, que nos faz refletir como naturalizamos essas interferências na geografia das cidades. Para ele é como se tivéssemos amputado a paisagem, é como tirar um pedaço de um ser. Esses deslocamentos, físicos e mentais, na manipulação da paisagem, provocam uma reflexão sobre como se dá a rearticulação do espaço, as memórias que vão sendo abafadas (deixadas de lado) e as memórias que vão sendo produzidas pelas mudanças da ação do homem na natureza.

“A ideia é provocar um exercício sobre a questão histórica do ambiente, da memória e da transformação.  Provocar a reflexão sobre a ideia da separação do Homem da natureza.   Refletir estas questões, não com um olhar metafórico, e sim reconhecer que tipo de relação temos com o ambiente em que vivemos” , afirma Caboco.  

A segunda ideia se deu quando Gustavo Caboco descobriu na reserva técnica um fóssil de peixe, encontrando, nesse momento, o rastilho poético que sua sensibilidade necessitava para criar a coalescência entre suas percepções, a cumplicidade artística com Denilson Baniwa, o Respiração e o espaço da casa. O fóssil é uma pedra cortada ao meio (Corte de Cantagalo), que traz a memória arqueológica do peixe incrustrado nela, que era comercializado como souvenir, nas lojas para turistas de Copacabana nos anos 80 (da mesma forma que os povos originários foram tratados por muitos séculos como um souvenir da humanidade). A memória está viva na pedra. Não é souvenir. Não é troféu do passado; é tempo vivo e pulsante. É disso que trata a arte.

A intervenção Devir indígena trata da tessitura do tempo e do espaço no corpo da casa. O fio condutor da ocupação é transformação e memória. Indica que o que é frágil é a realidade, não a imaginação, parceira da arte, que tem a concretude do corpo e é guiada pela linguagem do sonho, que se comunica com as pulsões da duração e do devir; é com esse substrato da potência da vida, que a arte estabelece um contato direto. Denilson Baniwa e Gustavo Caboco criam fundamentados nesse feixe de sensações. A descrição do processo de realização da intervenção, descrita por Caboco, é reveladora: “Um sonho foi conversando com o outro. Denilson sonhou com alagarta e eu sonhei com uma lagoa. Nessa lagoa havia uma pedra cortada no meio e me remeteu ao fóssil. Foi um processo de escuta”. A memória expandida se encontra, através da linguagem do sonho, com a imaginação para tecer novas formas. Essa tessitura é o poético.

Os artistas:

Denilson Monteiro Baniwa: artista visual e curador. Compõe sua obra trespassando linguagens visuais da tradição ocidental com as de seu povo, utilizando performance, pintura, projeções a laser, imagens digitais. É conhecido como um dos artistas contemporâneos mais importantes da atualidade por romper paradigmas e abrir caminhos ao protagonismo dos indígenas no território nacional. Ativista, aborda a questão dos direitos dos povos originários. É indígena do povo Baniwa.  Nasceu em 1984 na aldeia Darí, Barcelos, Amazonas. Atualmente vive e trabalha em Niterói, Rio de Janeirro.

“Às vezes o desafio não é ocupar posições. Por exemplo, quando as que existem não servem, é necessário criar algo novo”.

Gustavo Caboco, nascido em Curitiba, Roraima (1989). Artista visual Wapichana, trabalha na rede Paraná-Roraima e nos caminhos de retorno à terra. Sua produção com desenho-documento, pintura, texto, bordado, animação e performance propõe maneiras de refletir sobre os deslocamentos dos corpos indígenas, as retomadas de memória e na pesquisa autônoma em acervos museológicos para contribuir na luta dos povos indígenas.

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Os curadores: 

Marcio Doctors

É crítico de arte e curador da Casa Museu Eva Klabin. Idealizador e curador do Projeto Respiração e idealizador do Espaço de Instalações Permanentes do Museu do Açude, do qual foi curador. Foi secretário particular de Mario Pedrosa e crítico da coluna de artes visuais de O Globo. É Mestre em Estética pela UFRJ e curador de inúmeras exposições. É autor dos livros Projeto Respiração (2012) e Respiração: 10 anos (2014).

Paula Alzugaray é curadora, critica de arte e jornalista especializada em artes visuais. Pós doutoranda em História, Crítica e Teoria das Arte na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.   É diretora de redação da revista de arte e cultura contemporânea seLecT, que no ano de 2021 realizou uma pesquisa abrangente sobre a produção artística dos povos amazônicos.  É autora do livro “Regina Vater: Quatro Ecologias” (Oi Futuro/Fase 3, 2013).

Projeto Respiração Devir indígena

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Denilson Baniwa e Gustavo Caboco.

Abertura: sábado, 17 de setembro, 17 às 21h (entrada franca)

Exposição: de 18 de setembro a 20 de novembro

De quarta a domingo, de 14h as 18h

CASA MUSEU EVA KLABIN

Av. Epitácio Pessoa, 2.480 – Lagoa, RJ

Tels:3202-8551 | 3202-8550

Valores e tipos de ingressos:

Inteira: R$ 20,00 – Meia estudante/idoso: R$ 10,00

Gratuito: Professores da rede pública, Alunos da rede pública, Crianças de 0 a 5 anos, Pessoas com deficiência e Acompanhante PCD

Site de venda de ingressos: casamuseuevaklabin.byinti.com/#/ticket/

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