Cris Sybilla – “Dança, linguagem poética do corpo”, por Juliana Vannucchi

Juliana Vannucchi é graduada em Comunicação Social, licenciada em Filosofia e Editora-chefe do site Acervo Filosófico.
Juliana Vannucchi é graduada em Comunicação Social, licenciada em Filosofia e Editora-chefe do site Acervo Filosófico.

“A dança é a linguagem poética do corpo. Não poderia defini-la de outra forma. Em seu processo de construção, a prática da dança pode trazer inúmeros benefícios para a vida de um indivíduo.” Cris Sybilla

  1. Cris, em que momento você percebeu que a dança seria uma parte tão importante e indispensável da sua existência? Geralmente, começamos a dançar quando somos muito novos e essa prática faz parte de toda a vida (para alguns mais, para outros menos). Mas no seu caso, houve alguma situação específica que a fez ter certeza de que você realmente se dedicaria a isso?
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Ao contrário do que costumeiramente tende a acontecer com muitas bailarinas e bailarinos, meu envolvimento com a dança não se iniciou na infância, mas já no início de minha vida adulta, com 22 anos. E neste ponto, a dança assumiu uma posição importante em minha vida quando percebi que dançar era algo transformador, e a sua prática assumiu um tom de caráter terapêutico em minha rotina. Portanto, houve um momento em que a performance artística e a transformação terapêutica estiveram em um mesmo lugar em minha prática de dança. Creio ter sido nesse momento em que percebi que não havia mais retorno ao que eu era antes de começar a dançar. Poderia, sim, citar um melhor condicionamento físico, postura, consciência corporal como estímulos significativos para jamais me afastar dela, mas o fato de meu objeto de estudo ser a dança que conhecemos por Dança do Ventre, em que sua linguagem conversa integralmente com o corpo e o universo feminino, este sempre foi o real motivo que me manteve próxima a essa dança.

  1. Você chegou a fazer aula de dança? Caso sim, por quanto tempo? Como foi a experiência?

Eu iniciei meus estudos há 16 anos em Canela/RS, e a partir de então, segui com aulas regulares e workshops com inúmeras professoras do Brasil e do exterior, principalmente professores egípcios, quando estes vinham até o Brasil. Em 2010 ingressei no curso de Licenciatura em Dança, da UFRGS, e tive contato com outras experiências e profissionais de dança que ampliaram e enriqueceram muito meu universo artístico, filosófico e performático acerca do movimento. Nesse meio tempo, mudei para o interior do RS, o que dificultou em muito minha permanência na universidade, e abandonei o curso definitivamente em 2015. Atualmente, no que concerne a dança, sigo estudando com outros profissionais, especialmente ligados à Dança Oriental, além de ter tido experimentações e estudos por três anos em Bharatanatyam, uma dança clássica indiana.

  1. Há quanto tempo você é professora de dança e coreógrafa? Há alguma diferença entre esses dois termos?

Atuo como professora de dança desde 2008 e coreografar passa pela prática do professor, muitas vezes. E este é o meu caso. O professor de dança ensina movimentos, mostra caminhos e possibilidades para explorar o movimento corporal, a trabalhar a consciência sobre si e sobre o mundo. Cada dança com a sua linguagem irá dispor o vocabulário pertencente ao seu próprio universo. Na dança oriental, por ser uma dança étnica, ser professor dessa modalidade diz respeito, ainda, a instruir o aluno sobre o seu universo histórico-cultural. Já um coreógrafo não necessariamente precisa ser um professor, ele vai trabalhar com a escrita de dança, e pode se dedicar apenas a uma performance, ou a um projeto maior, como um espetáculo composto por várias danças, por exemplo. Seja como for, é desejável que ele conheça muito bem o vocabulário de movimentos com que irá trabalhar.

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  1. Você tem especialização em dança árabe, certo? Poderia contar um pouco sobre quais são as características desse tipo de dança?

Sim, possuo especialização em Dança Oriental Árabe, e é o vocabulário de dança ao qual mais me dedico. Há uma grande divergência neste meio quanto ao seu nome. Gosto de chamá-la de Dança Oriental de estilo egípcio, já que é com o estilo egípcio que mais tenho afinidade e, tal como nominada pelos egípcios: Raqs = Dança, Sharqi = Oriental. Mas a conhecemos amplamente como Dança do Ventre. Esta dança é considerada muito antiga, uma vez que hieróglifos em templos do Egito evidenciam a presença de mulheres dançando e portando instrumentos musicais. De uma forma ou outra, ela essencialmente se traduz em movimentos sinuosos e enérgicos realizados com o quadril. É certo que essa dança sofreu alterações ao longo do tempo, modificou-se, conversou com outras linguagens de dança por meio da influência de outros povos, e tornou-se o que conhecemos hoje; é sem dúvida, uma dança viva, mas a dança que realizamos atualmente foi aprimorada a partir das ghawazi do Egito (seria um equivalente a ciganas, mas não é um consenso), e da ascensão do cinema naquele país, desde os anos 20. Nesse sentido, poderíamos destacar, ainda, que as danças árabes são permeadas de danças tradicionais, populares e folclóricas, e que a ‘dança do ventre’ também compõe esse quadro cultural. É notável que ela possui um vocabulário de dança comum a todos os povos de língua árabe, mas também à Grécia e à Turquia, por exemplo. Também gosto de citar a semelhança com as danças de cultura polinésia, dado que a movimentação de quadril também possui relevância, respeitadas as devidas diferenças culturais, evidentemente. Tudo isso nos remete ao ventre da Grande Mãe que antigamente recebia ritos em sua homenagem, ao ventre que tudo dá para seus filhos, a humanidade. Isso nos leva a crer que uma forma de proto ‘dança do ventre’ tenha origem nesses ritos de fertilidade, outrora realizados dentro de uma concepção de mundo em que Deus só poderia ser uma mulher. Mas a esse respeito, podemos apenas especular. Desse modo, não me parece nenhum equívoco nomeá-la de Dança do Ventre, ainda que não conheçamos nenhuma outra dança que se identifique por uma parte do corpo humano.

  1. Acha que qualquer um consegue dançar? Muitas pessoas consideram que não têm habilidade para isso… Seria a dança um talento inato, ou algo que se aprende com a prática?

Penso que todos podem desenvolver a habilidade da dança ou do movimento. Entretanto, em minha prática como professora, percebo que nem todos possuem sensibilidade rítmica ou melódica aplicável ao corpo quando expostos à música. É difícil definir precisamente o que impede esses indivíduos de acessar esse timing tendo a música como guia. A adequação ao ritmo é uma qualidade importante para a execução de danças como as orientais, que exigem precisão do dançarino, e ao meu ver, é imprescindível e fundamental. Claro que é importante ressaltar que existem algumas linguagens de dança que não estão sob a hierarquia da música, em que esta não é a proposta principal. Portanto, penso que, nesses casos, o indivíduo deve procurar a linguagem que melhor conversa com seu modo de se expressar, respeitando a modalidade na qual está inserido. Outrossim, há pessoas que, assim como Howard Gardner mostrou em seus estudos sobre as diversas inteligências, possuem a inteligência corporal cinestésica, o que, grosso modo, poderíamos traduzir como talento para a dança. Porém, mesmo que um indivíduo possua essa facilidade, sem trabalhá-la, dificilmente poderá desenvolver uma performance satisfatória, em termos artísticos, e, nesse sentido, sim, qualquer pessoa com sensibilidade rítmica pode aprender uma modalidade de dança que pode ser perfeitamente desenvolvida com a prática constante.

  1. Como você define a dança? De que maneiras essa prática pode ser positiva na vida de uma pessoa?

A dança é a linguagem poética do corpo. Não poderia defini-la de outra forma. Em seu processo de construção, a prática da dança pode trazer inúmeros benefícios para a vida de um indivíduo. Seja pela atividade física propriamente, com a qual a pessoa irá se deparar diretamente, podendo obter melhora no alinhamento postural, na flexibilidade, no tônus muscular, na capacidade cardiorrespiratória, para citar alguns exemplos. Muitas pessoas relatam uma melhora na autoestima, sem contar no exercício da criatividade por meio do movimento, na socialização, na ampliação da bagagem cultural do praticante. Porém, independentemente de o indivíduo estar ciente de todos esses benefícios que podem advir dessa prática, penso, sobretudo, que o seu amor à dança é o que desencadeará qualquer proveito que possa vir a experimentar com a sua realização.

  1. Que tipo de objetivo você busca atingir através das suas aulas? Que tipo de efeito pretende causar em suas alunas?

Procuro trazer ao máximo a conexão com a cultura circundante à dança oriental, especialmente a egípcia, com suas danças folclóricas, história, musicalidade, mitologia para agregar a uma dança que possui técnicas corporais específicas. Também procuro observar que a sua movimentação característica em si mesma já poderia trazer inúmeros benefícios a quem a pratica. E, nesse sentido, proporcionar toda essa bagagem reunida depende muito dos objetivos de quem procura a dança, que, às vezes, considera enfadonho ter aulas teóricas quando seu interesse é somente dançar. Em vista disso, para que esse processo não se torne impositivo, tento todo ano encontrar um ritmo próprio para cada turma, para desenvolver esses temas, coadunando as aulas às necessidades delas.

  1. E em relação à sensação gerada em quem assiste a uma determinada dança? O que ela pode causar de positivo num espectador?

Penso que a experiência estética de quem assiste a uma dança será acessada segundo a sua bagagem cultural e esse aspecto foge do nosso controle. Muitas vezes, pode acontecer de uma pessoa não ter uma boa identificação com o tema ou com a linguagem de dança que esteja apreciando, e não ter uma boa experiência, por exemplo, o que é absolutamente normal. Mas, ainda assim, acredito que, no mais das vezes, as pessoas podem ter experiências positivas, e, em se tratando das produções que criamos, nosso objetivo sempre é proporcionar ao público a melhor experiência possível.

  1. Poderia contar um pouco sobre como foi a apresentação baseada no mito de Ísis e Osíris? Aparentemente foi algo inédito no Brasil…

Em 2017 realizamos o espetáculo “A Jornada de Ísis – O Mito de Ísis e Osíris contado através da Dança” e, ainda que seja difícil precisar essa informação, aparentemente, até aquele momento, fizemos, sim, um espetáculo inédito, segundo os parâmetros de produções de dança oriental realizados no Brasil sobre esse mito. Fizemos pesquisas sobre a mitologia egípcia, criamos o roteiro, as coreografias, e contamos com uma produção que mesclou bailarinas, artistas circenses, atores de teatro, artesãos e muita boa vontade de todos. Foi realmente emocionante e inesquecível. O objetivo desse espetáculo foi trazer a dança oriental para dentro do mito e utilizar os recursos cênicos e performáticos que pudessem ler o nosso recorte mitológico da maneira mais adequada possível. A mitologia egípcia é cheia de versões de seus personagens míticos que muitas vezes torna a sua compreensão um tanto truncada. Trazer esse enredo em formato de dança e tornar esse mito compreensível ao público que, muitas vezes, nunca ouviu falar dessa mitologia, foi o nosso maior desafio. Acredito que tenhamos sido felizes nesse propósito, pois naquela noite todos acompanharam a jornada de Ísis em sua busca por Osíris e torceram para o seu êxito.

  1. E a apresentação baseada nas musas gregas? Como foi?

Em 2019 criamos o espetáculo “Dançando com as Musas – Uma viagem à Grécia Antiga”, e nesse momento, o objetivo foi aproximar o público de um aspecto pouco trabalhado sobre a mitologia grega: as musas gregas. Circundamos o universo do deus Apolo, mostrando o caminho de uma pitonisa, desde o Templo de Delphos, até o encontro com cada uma das musas e suas Artes sagradas. Este roteiro foi sobre uma história original, não contamos nenhum mito específico, mas percorremos o universo apolíneo por meio de Dança, da Música e do Teatro. O desafio aqui foi adaptar a linguagem da dança oriental à ambientação da Grécia Antiga, sem descaracterizá-la, auxiliada pela utilização de acessórios construídos especialmente para o espetáculo (Liras, Arcos, Máscaras, etc.), pelo figurino caracterizado por suas túnicas e pela música. De todo modo, este foi um trabalho mais autoral e que buscou ligar o universo musical e artístico de uma forma atemporal, junto à dramatização e à dança. Foi realmente muito especial.

  1. Você tem em mente alguma ideia ou conceito para eventos futuros?

Sim, tenho uma lista de mitos e histórias que adoraria contar por meio da dança, e que proporcionariam uma inspiradora ambientação para se trabalhar. Dentre tantos universos mitológicos que me instigam, tenho apreço pelas lendas arturianas e pela mitologia suméria. Talvez fosse por um desses caminhos num primeiro momento; também acho importante proporcionar apresentações que considerem o contexto da dança egípcia, tal como ela é, a fim de não distanciar essa cultura e o modo como sua dança é realizada do público que a aprecia. Desde que iniciei em produções de eventos de dança oriental sempre procurei trazer a cultura egípcia para as apresentações. Considero importante que tenhamos liberdade de poder realizar nossa criatividade, enquanto artistas, de ambas as maneiras, a de contexto performático e a de contexto étnico, mas sempre respeitando a matriz cultural de onde vem a dança oriental. Contudo, neste momento de pandemia em que vivemos, é difícil projetar um retorno a essas iniciativas, por óbvios motivos, apesar de esperarmos que seja em um futuro próximo.

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JULIANA VANNUCCHI 
Sorocaba – São Paulo
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