Arte Neoclássica por Rosângela Vig

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Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

Afirmo, então, que isto me serve de ponto de partida e de base quando admito que existe uma Beleza em si e por si, uma Bondade, uma Grandeza em si e por si, e a mesma coisa ocorre com tudo o mais. (…) Ao seguir esse princípio parece-me que não me arrisco a desviar-me: que segurança responder a outrem que as coisas são belas por causa do Belo! Não pensas também assim? (PLATÃO, 1999, p. 168)

A Filosofia de Platão transcendeu o tempo, é tão atual quanto profunda. Seu pensamento nos conduz ao Belo do mundo das ideias, é o que se une ao Bem, à Verdade e à perfeição. Na Arte, o Belo é o resultado das cores e das formas, em perfeito arranjo, tão harmonicamente combinadas quanto as notas de uma canção. Ao olhar, o Belo circula pelo campo das sensações, é fonte de infindável deleite e conduz o coração ao êxtase.

Fig. 1 – Panteão de Paris. Foto de WDG Photo.
Fig. 1 – Panteão de Paris. Foto de WDG Photo.

Ainda é nos clássicos que a modernidade afobada busca conhecimento e ingredientes para o novo. Foi assim com a Arte do Neoclássico. A Antiguidade, que serviu de modelo a outros tempos da história da Arte, foi aqui retomada como fonte de inspiração, mas dessa vez, tratada com seriedade, servindo-se dos fundamentos precisos da História, graças às descobertas de Pompéia e Herculano. As duas cidades italianas foram soterradas em 79 D.C., em virtude da erupção do Vesúvio. Nas escavações, que tiveram início em 1738, foram encontrados objetos, mobiliário, porcelanas e pinturas murais. Tais artefatos serviram de modelo a muitos artistas. A Mitologia adquiriu uma nova abordagem, que se distanciava do Rococó. As representações do amor, o Cupido, as ninfas e as imagens bucólicas cederam lugar para as cenas heroicas. No feitio, foram deixados de lado a dramaticidade e os exageros do Barroco, bem como a superficialidade do Rococó.

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O estilo teve seu apogeu em 1830; floresceu entre os séculos XVIII e XIX, sob forte influência do pensamento Iluminista; de todo o legado filosófico do século XVIII; da Revolução Francesa; e da Revolução Industrial. O movimento teve ainda um fundo cultural, como reflexo das mudanças do período, da ascensão da burguesia e do racionalismo iluminista.

Fig. 2 – Eros e Psique, Antônio Canova (1757-1821), no Metropolitan em Nova York. Foto de perseomedusa.
Fig. 2 – Eros e Psique, Antônio Canova (1757-1821), no Metropolitan em Nova York. Foto de perseomedusa.

Arquitetura

Refugia-te nestas coisas mais tranquilas, mais seguras, mais elevadas! O que sustenta os corpos mais pesados no meio deste mundo, o que suspende os mais leves, leva o fogo às regiões mais elevadas, indica aos astros a sua rotação e, assim, muitos outros fenômenos ainda mais maravilhosos (SÊNECA, 2006, pp. 80 e 81)

Na Arquitetura, o Neoclássico deixou à mostra um encontro entre a precisão dos modelos gregos e romanos e a racionalidade iluminista. Da Arquitetura Clássica, o período herdou o uso de materiais nobres, como o granito, o mármore, a madeira, e a tecnologia avançada. A grandiosidade e a imponência vieram dos romanos; a graça e a leveza, dos gregos. Do Iluminismo, ficaram para a Arquitetura neoclássica, a simplicidade e a lógica, na construção.

A igreja de Santa Madeleine, na França, está entre as construções desse estilo. O local é a atual paróquia da Arquidiocese de Paris e seu pórtico foi inspirado em um dos mais preservados templos romanos, o Maison Carrée. Suas 52 colunas, com 20 metros de altura, ao longo da construção lembram um templo romano. À semelhança de uma construção da Antiguidade clássica, o Panteão de Paris (Fig. 1), também seguiu a linha neoclássica. Construído para ser uma igreja, a estrutura atualmente funciona como um mausoléu, onde são guardados os restos mortais de várias personalidades da História da França. O grandioso edifício teve seu pórtico baseado no Panteão romano, o que fica nítido em suas 22 colunas de estilo coríntio. Sobre elas, o frontão triangular completa a fachada principal. A beleza do local se completa com a decoração de seu interior, que concilia a exatidão e a leveza do Clássico, com a seriedade e a sobriedade do Neoclássico.

Fig. 3 – Mengs, Anton Raphael. Parnassus. Germany. 1761. Oil on canvas 55 x 101 cm. Inv. no. GE-1327. Crédito: The State Hermitage Museum, St. Petersburg.
Fig. 3 – Mengs, Anton Raphael. Parnassus. Germany. 1761. Oil on canvas 55 x 101 cm. Inv. no. GE-1327. Crédito: The State Hermitage Museum, St. Petersburg.

Escultura

A vida se divide em três períodos: aquilo que foi, o que é e o que será. O que fazemos é breve, o que faremos, dúbio, o que fizemos, certo. Na verdade o destino perdeu o controle sobre o passado, ninguém pode querer recuperá-lo. (SÊNECA, 2006, pp. 49 e 50)

Pode-se considerar que, na escultura, o Neoclássico firmou duas fases. Num momento inicial, a aproximação com a cultura clássica, ficou nítida nas referências aos filósofos e à Mitologia. Com a era de Napoleão, as imagens esculpidas passaram a enaltecer a figura do imperador, que aparecia em cavalos, demonstrando sua imponência e poder.

A clareza e a austeridade são as marcas da escultura do neoclássico. O material das estátuas, sem pinturas, ficou à mostra. Sem exageros, as imagens mantiveram a expressividade das cenas retratadas. O italiano Antônio Canova (1757-1821) foi o maior e mais prestigiado representante da escultura desse período. Também pintor, o artista demonstrava sua habilidade com a escultura desde os 16 anos, quando já recebia encomendas. Seu gosto pela Antiguidade Clássica ficou nítida em sua extensa produção.

As várias versões de sua obra, Eros e Psique (Fig. 2), feitas pelo próprio artista, estão expostas no Metropolitan, em Nova York; no Hermitage, em São Petersburgo, Rússia; e no Louvre, em Paris. Sem os excessos do Barroco e do Rococó, o artista elaborou a passagem mitológica clássica, em que Cupido reanima Psique, com o beijo do amor. Representando o amor sublime, na cena, os amantes se olham, os rostos se aproximam, mas não se tocam, deixando à mostra, refinada sensualidade. As asas de Cupido estão em movimento, como se estivesse pronto para alçar voo e levar sua amada para junto de si. Ela, por sua vez, ergue os braços, para seu amado, aceitando seu convite.

Fig. 4 – David, Jacques-Louis. Sappho and Phaon. France 1809. Oil on canvas 225.3 x 262 cm. Inv. no. GE-5668. Crédito: The State Hermitage Museum, St. Petersburg.
Fig. 4 – David, Jacques-Louis. Sappho and Phaon. France 1809. Oil on canvas 225.3 x 262 cm. Inv. no. GE-5668. Crédito: The State Hermitage Museum, St. Petersburg.

Pintura

Gênio é o talento que dá regra à Arte. Já que o próprio talento enquanto faculdade produtiva inata do artista pertence à natureza, também se poderia expressar assim. Gênio é a inata disposição do ânimo, pela qual a natureza dá regra à Arte. (KANT, 1998, p. 211)

E a genialidade também deixou suas marcas na Pintura. A inspiração nos clássicos levou os artistas a praticarem a exatidão, a simetria e a proporção. Do contexto do século XIX e do Iluminismo, foram incorporados o intelecto e o idealismo. E o que já era Belo, recebeu novas feições, a Arte se desvencilhou da frouxidão do Rococó e se vestiu da racionalidade e da moral. Entre os atributos da Pintura estão a busca pelos contrastes entre claro e escuro e o interesse pela natureza.

E tais atributos estão presentes na obra Parnaso (Fig. 3), de 1761, de Anton Raphael Mengs (1728-1779). Muito admirado por todos, o afresco foi pintado na parte central do teto da Villa de Albani, um palácio construído em Roma, para o Cardeal Alessandro Albani. Na obra, Mengs deixou clara sua renúncia às tradições barrocas e colocou à mostra o academicismo e o retorno à Mitologia, marcas distintas do Neoclássico. Ao centro da imagem, representando a harmonia, a perfeição e a poesia, está Apolo, o protagonista, deus da juventude, das Artes e da Música. As musas estão a seu redor, cada qual simbolizando seu mais relevante atributo. Na pintura estão traços que remontam a obra de Rafael, do Renascimento, pintor que o próprio pai de Mengs admirava. Em virtude dos retratos de viajantes que fazia, Mengs se tornou conhecido em Roma e sua obra foi de grande relevância para a divulgação do estilo Neoclássico.

Fig. 5 – O Imperador Napoleão em seu estúdio em Tuileries, Jacques-Louis David, 1812. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.
Fig. 5 – O Imperador Napoleão em seu estúdio em Tuileries, Jacques-Louis David, 1812. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.

Entre os pintores mais prestigiados do período está Jacques-Louis David (1748-1825). Influenciado por Mengs e pelo historiador Johann Winckelmann (1717-1768), David foi discípulo de outro grande artista da época, Joseph-Marie Vien (1716-1809); atuou como pintor oficial da corte e da Revolução Francesa, movimento que apoiou; e chegou a ser preso. Entre os atributos de sua obra, estão os temas históricos; os fatos relacionados à vida de Napoleão; e os traços deixados pela antiguidade clássica, nítidos na perfeição da forma, nos temas solenes e nos personagens. Sua obra, O Juramento dos Horácios, de 1784, é a pintura mais famosa do Neoclássico e firmou o nome de David como o artista mais importante e influente da França. De forma dramática, a obra representa as qualidades nobres da força, do patriotismo, da coragem e do sacrifício, por meio de um evento da História de Roma antiga.

Encomendada pelo príncipe e colecionador de arte Nikolai Yusupov (1750-1831), a obra Safo e Faon (Fig. 4), de David, faz alusão à Grécia Antiga. No aposento, classicamente decorado estão a jovem poetisa Safo; seu amado, o personagem mítico, Faon; e Cupido, ajoelhado. Na cena, uma das poesias de Safo está em um papel, desenrolando sobre sua perna e ela parece tentar tomar sua lira, das mãos de Cupido. A simplicidade da natureza, no ambiente externo, parece contrastar com o interior ricamente decorado, com piso de mármore, com pilastras e tecidos em abundância, repletos de dobras e de pregas, na parte superior da cama. Compõem o lirismo da cena, duas pombas se beijando à janela; e a voluptuosidade dos protagonistas. Nessa obra ficou clara a qualidade do trabalho de David, como retratista. Na composição equilibrada, as cores e as formas se ajustam harmoniosamente, revelando a inspiração na Renascença de Rafael Sanzio. Do Barroco de Caravaggio, ficaram os efeitos de luminosidade, na obra.

Entre os pintores do período cabe ainda lembrar os franceses, Dominque Ingres (1780-1867) (Fig. 7); Élisabeth Vigée-Lebrun (1755-1842), Anne-Louis Girodet (1867-1824) e Jean-Baptiste Regnault (1754-1829); o escocês Gavin Hamilton (1723-1798); e o russo Karl Pawlowitsch Briullov (1799-1852).

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Fig. 6 – Madame David, Jacques-Louis David, 1813. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.
Fig. 6 – Madame David, Jacques-Louis David, 1813. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.

Considerações finais

Aprenda com os antigos a ver a natureza… eles próprios são a natureza; é preciso ser alimentado por eles. (Ingres in BUGLER, 2014, p. 221)

E enquanto a Arte via renascerem os clássicos, os ideais iluministas tomavam força, com Montesquieu (1689-1755) e Voltaire (1694-1778). Na Literatura, surgiam os romances eróticos do Marquês de Sade (1740-1814); o Robinson Crusoé de Daniel Defoe (1660-1731); as Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1667-1745). Em meio às efervescências do período, a Arte fazia se pronunciar, demonstrando a insaciável busca pelo Belo.

E, mais uma vez, o espírito humano se deixou seduzir pelos clássicos, verdadeiramente enfeitiçado pelo legado que a Antiguidade deixou. De seu encantamento a Arte tomou robusto aspecto, com novos ângulos, com nova roupagem e bela, por si só. Para Schiller (1759-1805),

No estado físico o homem apenas sofre o poder da natureza; liberta-se deste poder no estado estético; e o domina no estado moral. Que é o homem antes de a beleza suscitar-lhe o prazer livre e a forma serena abrandar-lhe a vida selvagem? Eternamente uniforme em seus fins, alternando eternamente em seus juízos, egoísta sem ser ele mesmo, desobrigado sem ser livre, escravo sem servir uma regra. (SCHILLER, 2002, p. 119)

O filósofo acreditava no desenvolvimento moral, por meio das manifestações artísticas. Por elas, o ser humano é conduzido ao ilimitado, aproxima-se da liberdade, amenizando seu estado selvagem. A Arte fala, pois ao espírito e aproxima a pessoa do estado ético. E para finalizar,

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Um homem deveria ouvir um pouco de música, ler um pouco de poesia e ver um belo quadro, todos os dias de sua vida. (Goethe in BUGLER, 2014, p. 221)

Fig. 7 – Papa Pio VII na Capela Sistina, Jean-Auguste-Dominique Ingres, 1814. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.
Fig. 7 – Papa Pio VII na Capela Sistina, Jean-Auguste-Dominique Ingres, 1814. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.

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Referências:

  1. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  2. CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. Publifolha, S.Paulo, 2014.
  3. EAGLETON, Terry. A Idéia de Cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
  4. FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
  5. GOETHE, Johann Wolfgang. Os Sofrimentos do Jovem Werther. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009.
  6. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  7. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
  8. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Porto, Portugal: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1998.
  9. MASSAUD, Moisés. A Literatura Brasileira através dos Textos. São Paulo Ed. Cultrix, 2000.
  10. PLATÃO. Os Pensadores. São Paulo: Editora Nova cultural, 1999.
  11. POE, Edgar Allan. A Filosofia da Composição. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. Tradução: Léa Viveiros de Castro.
  12. SCHILLER, Friedrich Von. Fragmentos das Preleções sobre Estética. Belo Horizonte: Ed. UFMG – Departamento de Filosofia, 2004.
  13. SCHILLER, Friedrich Von. A Educação Estética do Homem. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2002.
  14. SÊNECA, Lúcio Anneo. Sobre a Brevidade da Vida. Porto Alegre: L & PM Editores, 2006.
  15. VIG, Rosângela Araújo Pires. DA ARTE COMO COMUNICAÇÃO À COMUNICAÇÃO COMO ARTE. Comunicação, Cultura e Mídia, Uniso, Sorocaba: 2010. Disponível em:
    comunicacaoecultura.uniso.br/prod_discente/2010/pdf/Rosangela_Vig.pdf

As figuras:

Fig. 1 – Panteão de Paris. Foto de WDG Photo.

Fig. 2 – Eros e Psique, Antônio Canova (1757-1821), no Metropolitan em Nova York. Foto de perseomedusa.

Fig. 3 – Mengs, Anton Raphael. Parnassus. Germany. 1761. Oil on canvas 55 x 101 cm. Inv. no. GE-1327. Crédito: The State Hermitage Museum, St. Petersburg.

Fig. 4 – David, Jacques-Louis. Sappho and Phaon. France 1809. Oil on canvas 225.3 x 262 cm. Inv. no. GE-5668. Crédito: The State Hermitage Museum, St. Petersburg.

Fig. 5 – O Imperador Napoleão em seu estúdio em Tuileries, Jacques-Louis David, 1812. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.

Fig. 6 – Madame David, Jacques-Louis David, 1813. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.

Fig. 7 – Papa Pio VII na Capela Sistina, Jean-Auguste-Dominique Ingres, 1814. National Gallery of Art, Washington. Crédito: Samuel H. Kress Collection.

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