Fizeram uma parada, uma parada
Para o trem carregar café,
Antes, estradas difíceis, só carros de bois
Transitavam, levando dias e dias.
Depois, uma casa aqui, outra ali.
(PORTINARI, 2018, p.19)
A Poesia de Portinari se confunde com sua Pintura e pode ser que esse trecho de seu poema traga à mente o universo de cores desse grande artista que passou pelo Brasil. Seu nome foi escrito com as cores que usou; por meio dos personagens que pintou; pelos lugares por onde andou; ou nos retratos que ilustrou. Seu nome está nos olhos dos lavradores cansados do trabalho árduo; está nos rostos exaustos dos retirantes; está nos campos de café que tanto representaram o Brasil; está, sobretudo no brilho dos olhinhos das crianças em inocentes brincadeiras em campos abertos. Uma aqui, outra ali, as casinhas esparsas da primeira metade do século XX no país, também são habitadas por esse grande artista em seus retratos, seus temas e as cores tão inconfundíveis ao olhar do observador.
Candido Portinari (1903-1962) foi o pintor dessa gente, desse viver e deixou retratos do Brasil repleto da Poesia que habitava em sua alma. O artista foi além, utilizou também as palavras para descrever seu país. Sua Poesia conversa com a Pintura, como se as palavras adquirissem cores e matizassem o papel em branco do livro. É como se ampliasse o campo de visão de sua obra pintada em toda a expressividade que ela tem.
Portinari estava entre os artistas que trouxeram ao Brasil o Moderno, inovando a estética e expondo um país real com sua história e mazelas. O Expressionismo foi a linguagem desse grande Pintor. Sua Arte intensa permitiu sentir a melancolia da família de retirantes, fugindo da seca e da miséria. O dinamismo ficou presente no colorido alegre e vivaz de crianças em várias de suas brincadeiras, em meio a campinhos, correndo livres como se estivessem se movendo, de um lado para outro.
Enquanto o mundo via a efervescência de correntes que despontavam pela Europa, essa modernidade chegava apressada ao Brasil com um caráter único e inconfundível. Enquanto o mundo vivia seus próprios desgostos, em meio a Guerras, revoluções e inquietações, o Brasil despontava, crescia e recebia imigrantes fugindo de países em conflito.
Nascido em 29 de dezembro de 1903, em uma fazenda de café próxima a Brodowski, no interior de São Paulo, Portinari pintava muito do que via e vivia. A inclinação para a Arte chegou ainda na infância e aos 14 anos Portinari foi recrutado por um grupo de pintores e escultores que restauravam igrejas da região. Dois anos depois, o artista foi para o Rio de Janeiro para estudar Belas Artes, destacando-se em meio aos alunos. Pouco tempo depois já participava de exposições e seu nome aparecia em jornais. Embora o Modernismo fosse campo de interesse do ainda jovem Portinari, a medalha de ouro por seu trabalho acadêmico foi também agraciada com uma viagem à Europa. Passou dois anos em Paris, onde conheceu muitos artistas e Maria Martinelli (1912-2006) com quem viveu até o fim de sua vida. De volta ao Brasil em 1931, Portinari já era destaque entre os pintores brasileiros. Seu estilo se carregava de cores e deixava de lado a estética tradicional, partindo para os murais e para os afrescos, que tanto evidenciaram seu nome; e se voltando para temas sociais.
Num primeiro olhar, as cores intensas parecem destacar na ilustração (Fig. 1). Pontos azuis, vermelhos, verde e laranja chamam a atenção e contrastam com tons amenos. Em pleno movimento, a tripulação toda agitada, parece se esforçar para puxar cordas, para conter velas e barco. Ao longe é possível divisar a terra avistada, o céu azul e também os montes, dada a distância em relação ao navio. A expressividade se dá por conta dos protagosnistas da cena em pleno movimento; e pela agitação da vela ondulada, com pontos de luz e de sombra.
A participação de Portinari na Feira Mundial de Arte em Nova Iorque chamou a atenção de Alfred Barr, diretor do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) que acabou por adquirir sua obra e a expor no museu. E a obra de Portinari encantou em mais exposições nos Estados Unidos, passando ainda pela Europa e por Israel.
Criado em 1979, por João Candido Portinari, filho do artista, o Projeto Portinari teve como objetivo resgatar a obra desse grande artista brasileiro e a levar ao acesso público. Passando pela fase de catalogação de obras, o projeto voltou-se também para atividades educativas para crianças e jovens.
E o espírito criativo do artista circulou ainda pelos domínios da Poesia, a partir da amizade e dos encontros que teve com muitos escritores da época. Em muitas dessas reuniões seu filho João Candido esteve presente. Desse contato com a Poesia da época, a inspiração de Portinari se ampliou pelo campo das Letras e o levou a escrever o livro que circulou em 1964. A idéia de uma edição atualizada com imagens das obras do artista veio da pesquisadora Patrícia Porto, que organizou os escritos e norteou a publicação para a contemporaneidade.
A Poesia de Portinari abraça sua Arte e a acolhe; sua Arte se reveste de Poesia e nos encanta. A ambas é incumbido o ofício de fazer divagar o espírito, de trazer alento à mente esgotada, de evadir-se do mundo atribulado. Entregar-se à contemplação e ao êxtase da Arte é como realizar infindável carinho na alma quase sempre absorta e esquecida. Abrir campo para a fruição é permitir que o espírito se desprenda em enlevo, em encantamento.
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Link do Projeto Portinari:
www.portinari.org.br
Link do Museu Casa Portinari:
www.museucasadeportinari.org.br
Reportagem da UOL sobre o livro de Portinari:
vimeo.com/451281544
Filme Sobre Livro “Poemas De Portinari” realizado por Pedro Paulo Malta, da FUNARTE:
vimeo.com/343302884
Referências:
- PORTINARI, Candido. Poemas de Portinari. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2018.
- FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
- GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
- PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 2005.
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ROSÂNGELA VIG
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