Arte Contemporânea, Pop Art por Rosângela Vig

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Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

Tive assim, no correr da vida, muitos contatos com muita gente séria. Vivi muito no meio das pessoas grandes. Vi-as muito de perto. Isso não melhorou, de modo algum, a minha antiga opinião.
Quando encontrava uma que me parecia um pouco lúcida, fazia com ela a experiência do meu desenho número um, que sempre conservei comigo. Eu queria saber se ela era verdadeiramente compreensiva. Mas respondia sempre “é um chapéu”. Então eu não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Punha-me a seu alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão razoável. (SAINT-EXUPÉRY, 1977, p.11)

Há muito tempo o Pequeno Príncipe tem sido inspirador e traz à tona essa simplicidade infantil que a atualidade afobada esqueceu. Muitas vezes nem percebemos as pessoas, os amigos ou sequer damos atenção às próprias emoções, em meio à correria diária. Ao ser humano, falta parar para observar essa simplicidade e despertar para o lado sensível, que nos conduz ao bem estar e à sensação de plenitude. E a Arte é um bom caminho para desenvolver a consciência nesse sentido.

Fruir a Arte é ver a obra como criança, de espírito aberto, livre, extraindo dela grandes emoções, as mesmas que tocam a alma, que divagam pelas sensações. Talvez então a inteligência consiga divagar pelo mesmo campo onde o artista semeou suas idéias. Talvez os homens da atualidade tenham perdido esse fio tênue que ata a vida real e os ajuizamentos mais divinos e inspiradores. Talvez a humanidade ainda redescubra esse caminho verdadeiro e veja menos os números e mais o Belo que cerca o mundo e as demonstrações artísticas. Brincar com a sensibilidade de forma leve é uma forma de elevar o espírito para as boas impressões. É esse o jogo da Arte.

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E as demonstrações artísticas nunca se aproximaram tanto desse jogo, como nos anos 1950, quando a vida cotidiana passou a ser observada como uma brincadeira e a integrar os movimentos de maneira alegre e descontraída. Toda a tecnologia da época, a viagem à Lua, a publicidade, a Cultura de Massa, o Cinema e suas celebridades e o estilo de vida americano foram vistos com o olhar atento do artista, como uma forma de brincadeira, de jogo. Surgia então a Pop Arte, com as cores vibrantes e com os desenhos simplificados. A Arte voltava a ser figurativa, mas de uma maneira inusitada. Ao mesmo tempo em que os símbolos do consumismo passaram a ser ironizados e critidados, os artistas rompiam a barreira entre o erudito e o popular, levando a Arte a uma categoria inovadora e única.

Pop Art

O termo Pop Art teve início em 1952, vem do Inglês e significa Arte popular, porque a base foi a Cultura de Massa, mas de forma alguma esse estilo foi caracterizado como popular. O nome foi criado pelo crítico de Arte Lawrence Alloway (1926-1990), em Londres, durante um encontro de artistas, o Independent Group (Grupo Independente), no Institute of Contemporary Arts (ICA), Instituto de Arte Contemporânea. Os artistas costumavam fazer debates sobre o efeito dos avanços da Ciência e da Tecnologia na Arte e foi em uma dessas reuniões que os integrantes despertaram o interesse pela cultura de massa. Composto por Richard Hamilton (1922-2011), Eduardo Luigi Paolozzi (1924-2005) e Peter Blake (1932-), o grupo iniciava um estilo que perdurou até os anos 1960 e teve seu ápice em Nova York, chegando também ao Brasil. Nos Estados Unidos, destacaram-se os nomes de Andy Warhol (1928-1987); Roy Lichtenstein (1923-1997); Claes Oldenburg (1929-2022); James Rosenquist (1933-2017); Tom Wesselmann (1931-2004); Wayne Thiebaud (1920-2021); e Jasper Johns (1930). No Brasil ficaram conhecidos os artistas Antonio Dias (1944-2018); Rubens Gerchman (1942-2008); e Claudio Tozzi (1944).

Influenciando os desenhos relacionados à moda e o mundo do desenho, a Pop Arte teve grande inspiração nas histórias em quadrinhos, proporcionou o uso da serigrafia e das reproduções em série de um mesmo tema. A Pop Art se alimentava da indústria cultural, ao mesmo tempo em que fazia ironia ao consumismo exacerbado da época e ao capitalismo.

Atulhados de sedutoras embalagens, os supermercados foram tema comum da Pop Art, levando para galerias e museus obras como a de Andy Warhol. A sopa enlatada Campbell serviu de inspiração para essa série do artista, de 1962, que chegou a um total de 32 telas (Fig. 1)1, cada qual para um sabor do alimento largamente consumido na época. Embora a Campbell tenha chegado a enviar um advogado contestando o uso da marca, a empresa acabou por aceitar e apoiar o artista, formando parceria e patrocinando inclusive uma exposição das obras de Andy Warhol no Metropolitan Museum of Art. A repetição da imagem remete à ideia de prateleira de supermercado organizada, com várias latas de diversos sabores. Em homenagem ao vigésimo aniversário da morte de Andy Warhol, a entrada da Royal Scottish Academy (Academia Real Escocesa) foi decorada com imagens da conhecida obra de Warhol (Fig. 4). Em 1976 a obra Skulls (Crânios) (Fig. 2) seguiu a ideia de produção em série e o artista utilizou a técnica da serigrafia para confeccionar seis telas com o mesmo desenho, cada qual com cores diferenciadas e vibrantes. O mesmo princípio de cores foi utilizado em outras obras como Marilyn (Fig. 3), em que a famosa artista do cinema surge na tela com um sorriso sensual e maquiagem com cores puras. As séries de imagens de artistas de cinema evidenciaram a frivolidade dessas celebridades.

Roy Lichtenstein2 parece ter feito um passeio pelas coloridas bancas de revistas. O acervo do artista inclui personagens dos quadrinhos em momentos inusitados ou no clímax de suas narrativas. A ação e o dinamismo estão presentes em suas obras, como se o tempo parasse para preservar apenas um segundo. Na figura 6, a imagem de uma aeronave em queda é narrada em duas sequências, quando o auge do movimento brusco se intensifica e a confirmação da queda é confirmada pela onomatopéia, título da obra. A cor amarela e a vermelha intensificam o fogo em virtude da queda. O beijo de um casal nitidamente apaixonado surge na figura 7. Ela, entre lágrimas e ele com os olhos fechados lembram juntos não somente os quadrinhos, mas também as grandes narrativas de cinema, tema constante da Pop Art.

Pop Art no Brasil

No Brasil a estética da Pop Art adquiriu tom político e voltado para uma crítica ao sistema da época. O artista e arquiteto Claudio Tozzi aderiu a esse modelo até 1969 quando passou da crítica social para a pesquisa de formas. Tal pensamento o levou a produzir suas séries Astronautas, Presilhas e Parafusos. Na figura 10, o protagonista é o Astronauta visto de frente e de costas, em duas imagens, um díptico, inspirado na ida do homem à Lua, que se deu em 1969. O artista trabalhou com o uso de preto e branco, com linhas acentuadas para os contornos, o que faz lembrar heróis de histórias em quadrinhos. Rico em detalhes, seu personagem tem expressão e parece ganhar vida sob suas vestes. O monocromático permitiu que detalhes ressaltassem ao olhar e ficassem em evidência com efeitos de luz e de sombra, o que aproxima a obra da ideia de realidade.

A partir de 1970 o artista desenvolveu pesquisas com a cor e como fruto dessa fase, destaca-se o painel Zebra (Fig. 12), de 1972, que levou arte e cor ao centro de São Paulo, na Praça da República. O animal monocromático contrasta com o azul do céu e o marrom da terra batida, por onde caminha. A imagem da Arte de Claudio Tozzi, em meio aos prédios entristecidos é como um alento ao olhar, de uma cidade que não quer parar. É como se a visão repousasse por algum tempo, esquecendo o céu nublado, o alvoroço de carros e de passos. Talvez seja esse o melhor motivo para que a Arte exista.

Feito um jogo, o olhar corre pelas obras em busca de um alento, de um vigor para retomar a correria novamente.

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Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmistificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados,
Mas tão-somente
Satélite.
(BANDEIRA, 2008, p.136)

Considerações finais

O objeto do impulso lúdico, representado num esquema geral, poderá ser chamado de forma viva, um conceito que serve para designar todas as qualidades estéticas dos fenômenos, tudo o que em resumo entendemos no sentido mais amplo por beleza. (…) Somente quando sua forma vive em nossa sensibilidade e sua vida se forma em nosso entendimento o homem é forma viva, e este será sempre o caso quando julgamos o belo. (SCHILLER, 2002, páginas 77 e 78)

De inspiração iluminista, o pensamento do grande filósofo alemão sugere que o ideal de beleza está ligado a um impulso lúdico. A Arte se insere nesse contexto, por meio de um brincar com a sensibilidade por meio do jogo de cores e de formas, estimulando o impulso sensível.

A Arte Contemporânea rompeu definitivamente com as vanguardas da Arte Moderna. Tal ruptura que iniciou nos anos 50 acompanhava as novas tecnologias que caminhavam a passos largos. A corrida espacial, a Ciência, o Cinema, a Televisão, o modo de vida e o consumismo inspiraram artistas a delinearem um novo campo de visão, abrindo os braços da Arte para novas dimensões. A estética adquiriu esse tom lúdico, assumindo as formas da realidade em curso, mas ainda assim deixando nítido, por parte dos artistas, a crítica ao consumismo das massas e ao capitalismo incentivado pela publicidade. As obras saíram da Cultura de Massa para a Cultura Erudita utilizando os símbolos do cotidiano. Ao mesmo tempo, como em um jogo, as obras estimularam o olhar e permitiram que a simbologia de uma época se propagasse por meio da Cultura. Novas perspectivas e novos pontos de vista foram então compartilhados por meio do jogo da cor e da forma, levando o olhar ao deleite.

Na planície os dançarinos
Afastam-se como peregrinos
No solar dos albergues cinza
Pelas aldeias sem igreja
E as crianças vão à frente
Os outros seguem indolentes
As árvores se conformam
Quando de longe eles acenam
Eles têm pesos redondos quadrados
Tambores arcos dourados
Urso ou macaco nada selvagem
Pede dinheiro na sua passagem.
(APOLLINAIRE, 2005, p.63)

Ó Paris eis-nos bebidas vivas
As viris cidades onde gritam e cantam
Os santos metálicos de nossas santas fábricas
Nossas chaminés engravidam nuvens pretas
Como fez outrora o Ixion mecânico
E nossas mãos inumeráveis
Usinas manufaturas fábricas mãos
Onde os operários nus iguais aos dedos
Fabricam o real a tanto por hora
Nós te damos tudo isso.
(APOLLINAIRE, 2005, p.112)

1 Vídeo da obra Latas de Sopa Campbells, de Andy Warhol:
youtu.be/HqvELc2FSfE

2 Roy Lichtenstein Foundation:
lichtensteinfoundation.org

Referências:

  1. ANDRADE, Mário. Poesias completas. São Paulo: Editora Itatiaia, 1987.
  2. BANDEIRA, Manuel. Bandeira de Bolso. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008.
  3. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  4. BILAC, Olavo. Antologia Poética. Porto Alegre: Ed. L & PM Pocket, 2007.
  5. CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. São Paulo: Publifolha, 2014.
  6. FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
  7. GASSET, José Ortega y. A desumanização da arte. 5 a. Edição. São Paulo: Ed.Cortez, 2005.
  8. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  9. GUILLAUME, Apollinaire. Álcoois e outros Poemas. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.
  10. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  11. MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira atrvés dos Textos. São Paulo: Editora Pensamento Cultrix Ltda., 1971.
  12. MORAES, Vinícius. Antologia Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
  13. NETO, João Cabral de Melo. Museu de Tudo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975.
  14. PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 2005.
  15. SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno Príncipe. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1977. SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002.

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ROSÂNGELA VIG 
Sorocaba  São Paulo
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Colunista no Site Obras de Arte
E-mail: rosangelavig@hotmail.com

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