A Arte com o rosto do Brasil por Rosângela Vig

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Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

A Lição de Pintura

Quadro nenhum está acabado,
Disse certo pintor;
Se pode sem fim continuá-lo,
Primeiro, ao além de outro quadro.

Que, feito a partir de tal forma,
Tem na tela, oculta uma porta,
Que dá a um corredor
Que leva a outra e a muitas outras.
(NETO, 1975, p.68)

O recifense João Cabral de Melo Neto transitou pelo mundo da Poesia e das Letras. Seu texto designa de maneira eloqüente o coração de quem cria. O pensamento é o mesmo para aquele que tece com as cores ou com as palavras, na Pintura ou na Poesia. Frutos do espírito criativo, cada uma dessas portas abriga uma surpresa; cada qual conduz a mundos reais ou surreais; suscita emoções; causa perplexidade; ou gera na mente o simples fascínio da contemplação.

E a Arte brasileira tem essas portinhas. A seu modo, cada artista desvenda seu próprio mundo e um pedacinho desse país colorido e alegre. Descerrando uma delas podem-se percorrer tempos antigos, viajar pelo presente e pelo passado; pelas infâncias não muito distantes, perdidas em brincadeiras de rua; e trafegar pelos bares e pela boemia, pelas mãos do pintor Paulo Byron. Protagonizaram suas obras, alguns dos arquétipos mais comuns dos cenários do Brasil de antigamente, de hoje, e sua gente simples, em cenas do dia a dia. O Brasil esquecido por muitos, não vivenciado por tantos, ficou eternizado em suas pinturas. Entre os temas que explorou com maestria, estiveram as brincadeiras de infância, a vida do boêmio, o pescador, o gaúcho, o dia a dia simples de tanta gente. Pode ser que muitos desses momentos tenham sido familiares ao próprio pintor, que tantas vezes comentou sobre a saudade da infância e até mesmo das sovas que levava da mãe.

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De estilo inconfundível, Paulo ousou na perspectiva e tornou esse aspecto sua impressão digital, levando ao espectador, a sensação de estar inserido na cena, abaixo dos personagens, interagindo com eles. No quesito cor, suas obras deixaram em evidência os vermelhos, os azuis, os verdes, os amarelos, muitas vezes, puros, realçando o que era preciso, sem descomedimentos, sem exageros, na exata medida.

Descerrando as portas da meninice, surge um travesso moleque, da cor do Brasil, sem camisa (Fig. 2). Em suas mãos o protagonista, em branco quase transparente, tem parte da rabiola caída. Ele amarra a linha, para depois elevar sua pipa no ar, solta, livre como sua infância. No chão, muito à vontade, três moleques jogam as Cinco Marias (Fig. 4), que são atiradas ao chão, na direção do observador. Nos tecidos coloridos das Marias, é possível perceber as linhas da costura que deve ter sido feita à mão. E os meninos nem parecem perceber que mais adiante outros moleques brincam de taco (Fig. 5), no meio da rua, como eram os brinquedos e jogos de outros tempos. Mais a frente, as bolinhas coloridas se movem ao toque dos dedos dos meninos (Fig. 6). Elas também se aproximam do olhar e convidam o espectador a participar do jogo.

A boemia abre também suas portas e por ela é possível vislumbrar outro típico brasileiro, o vagabundo, tranqüilo, muitas vezes como uma triste figura, geralmente em um bar, bebendo, sentado ou cantando em uma roda de samba entre amigos. A noite e a madrugada, muitas vezes serviram como pano de fundo dessa série. Em um boteco, o sujeito sentado na cadeira (Fig. 9), parece ter excedido na bebida. Adormecido, ele não se atém para a toalha que está em desalinho, nem para a garrafa ou para o copo que parece ter tombado sobre a mesa. O tempo passou rápido para ele que já nem se dá conta que a noite está terminando.

O Rio Grande do Sul tem parte de sua história e dos costumes muito bem narrados pelo artista (Fig. 16), que mostrou o típico gaúcho, com suas roupas, seus cavalos, as estradas e os campos dos lugares por onde tantas vezes ele mesmo caminhou quando criança.

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Muitos dos típicos brasileiros estão também nos trabalhos que o artista deixou em preto e branco. As laranjas na árvore parecem ter atraído a atenção dos meninos (Fig. 15) que se empenharam para apanhá-las do pé. O pão com mortadela também foi eternizado pelas mãos do artista. Na figura 17, o protagonista é o delicioso sanduíche brasileiro. No desenho, o menino sentado sem qualquer cerimônia, no chão, saboreia seu pão, envolto em amarrotado papel, como era em outros tempos. A seu lado, a garrafa de leite aguarda ser bebericada. A perspectiva exagerada traz para perto os três elementos da cena. Para o artista, essa obra deveria ser feita a quatro mãos, desenhada por ele, pintada pela artista Rita Caruzzo. A ela, foi dada a incumbência de colorir o desenho a sua maneira.

Por seu trabalho, Paulo Byron recebeu títulos, premiações e participou de importantes exposições, entre as quais, uma na Galeria Bric a Brac, em Moema, São Paulo, onde fez pintura ao vivo (Fig. 20). O fruto dessa exposição foi a obra Bebemos para Comemorar (Fig. 21). Na imagem de fundo preto, destaca-se o desenho, na cor branca. O amarelo o vermelho e o sutil azul são as cores puras utilizadas, sem exageros, em pontos isolados, assegurando a leveza da obra.

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Os personagens de Paulo Byron transitaram um dia pelas sossegadas ruazinhas, que hoje abrigam carros, prédios e viadutos. Eles estão em pleno movimento, é possível ouvir o som de suas conversas, suas músicas e seu movimento de roupas e de corpos. E pode ser que o próprio artista, em seu desvario, desatado das amarras da vida, resolvesse ceder aos caprichos da Arte e mergulhar em seus mundos. Envolvente, o universo das cores e das formas abriu suas portas, seduziu o artista e o levou para junto de si. Talvez esteja ele agora entre seus personagens, brincando como uma criança, vagando na noite entre seus tipos ou simplesmente perambulando pelos campos que percorreu durante sua infância. O mundo da Arte, repleto de abatimento e de pesar, tornou-se entristecido. Mas pode ser que lá de seus mundos, o artista observe a tudo e a todos, sorrindo, montando um cavalete sob um gostoso e simpático caramanchão, para fazer seu próximo quadro.

Blog: paulobyron.blogspot.com.br/2015/

Referências:

  1. MELO NETO, João Cabral. Museu de Tudo. São Paulo: Ed. José Olympio, 1975.

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