Arte Contemporânea – Minimalismo por Rosângela Vig

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

Defronte da janela em que trabalho,
Nas horas quietas em que tudo dorme,
Sobranceira e viril, como um carvalho,
Alevanta-se espessa árvore enorme.

O zéfiro um momento encrespa um galho
À sua barba: e, ou seja, que a transforme
O vento ou meu olhar, a árvore enorme,
Erguida ante a janela em que trabalho,

Toma a feição de uma cabeça rude,
Sonolenta e selvática oscilando
Numa estranha, fantástica atitude.

E, posta a contemplá-la, esta alma cuida
Ver sob o azul do céu, diáfano e brando,
A fronte erguer, leonina, o último druida.
(MEIRELES, 2013, p.23)

A linguagem de Cecília Meireles é poética, melodiosa, rica e repleta de metáforas. Sua Poesia é da Segunda fase do Modernismo e recebeu influências do Romantismo, do Parnasianismo e do Simbolismo. Seu soneto resume um dado momento em que a poetisa trabalha diante de uma janela e observa o que há do lado de fora. Chamam sua atenção o céu azul e a árvore que agita seus galhos e folhas devido ao vento que sopra. Os dois elementos externos abraçam o espaço da janela e o olhar da observadora. A simplicidade da cena que observou a autora se transformou num lindo soneto, forma poética de quatorze versos, que Cecília Meireles utilizou para resumir o que via. A ideia central foi dar feitio poético a dois elementos comuns e enxergar neles o incomum; evidenciar o simples e o tornar protagonista. Nas manifestações artísticas, esse traço ficou evidente no estilo Minimalista.  

O Minimalismo nasceu nos Estados Unidos entre 1950 e 1960 e foi difundido por vários países. Tendo a simplicidade como protagonista, o estilo ainda trouxe a objetividade e a falta de narrativa para a Arte. 

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O período foi protagonizado por vários eventos principalmente na área da Tecnologia. A União Soviética, em 1957, lançou o primeiro satélite; o primeiro vôo espacial foi pilotado por Yuri Gagarin, em 1961; em 1962 foi lançado o primeiro satélite do mundo, o Telstar; em 1963, a Kodak criava a primeira máquina fotográfica de alta velocidade; a 21 de Julho de 1969, Neil Armstrong, astronauta americano, tornava-se o primeiro homem a pisar na Lua.

Na área da Medicina, o ano de 1961 marcou a época da comercialização da pílula anticoncepcional; e o primeiro transplante de coração foi realizado em 1967. O período também contou com a Guerra do Vietnã (1964); o assassinato de Kennedy (1963); entre 1966 a 1976, a Revolução Cultural da China por Mao Tse Tung, que perseguia seus opositores, matando centenas de milhares de pessoas; e o início da construção do muro de Berlim, em 1961, pela Alemanha Oriental. No campo da sétima Arte, estreava em 1968 o filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço; e as manifestações artísticas viam florescer a Arte Nouveau em 1960, na França. No Brasil, via-se o florescer da Arquitetura, com a construção de Brasília, por Oscar Niemeyer, entre 1957 e 1960. Nesse contexto, emergia o Minimalismo como estilo artístico, em Nova York, em 1966.

Arquitetura e Design

Simplicidade da forma não é necessariamente simplicidade de experiência. (Robert Morris in MARZONA, 2005, p.78)

Simples e sofisticada, a Arquitetura Minimalista1 seguiu a ideia da redução de elementos e do design simples. O uso de formas geométricas denota a influência nítida do Cubismo. Da Bauhaus veio a ideia de inovação e de simplicidade, reunindo beleza e funcionalidade em uma única proposta. O resultado foi uma produção requintada, repleta de iluminação natural, com ornamentação reduzida, o que levou à ideia final de leveza.

Essa característica ficou nítida nas construções de Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), um dos mais importantes arquitetos do século XX, autor da conhecida frase “menos é mais” (less is more). Nascido na Alemanha, naturalizado americano, é de sua autoria o projeto inovador das torres “860-880 N. Lake Shore Drive” (Fig. 1) um complexo de edifícios de 26 andares, localizados nos números 860-880 da movimentada Avenida de Chicago, nos Estados Unidos. A construção madura e inovadora é revestida de vidro, o que diminui a divisão entre a área interna e a externa. Tal recurso proporciona a ideia de leveza, de iluminação natural e é seguido pelos arquitetos nos dias atuais.

Fazendo uso de linhas curvas e formas simples o grande arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer2 (1907-2012), reconhecido mundialmente, também passou pelo estilo Minimalista. Em seus projetos foram abordados recursos e elementos naturais e foram explorados os efeitos de iluminação. Entre suas obras mais conhecidas estão a Igreja de São Francisco de Assis na Lagoa da Pampulha, em Minas Gerais; o Museu de Arte da Pampulha; o Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro; o Edifício Copan em São Paulo; a Catedral de Brasília; o Congresso Nacional em Brasília (Fig. 2); além de outros projetos por todo o país e fora do Brasil.

Passearam ainda pelo estilo minimalista os arquitetos e designers Philippe Starck (1949), da França; John Pawson (1949), do Reino Unido; e Shiro Kuramata (1934-1991), do Japão. Opondo-se aos movimentos da época, a criatividade de Shiro Kuramata inovou o design do Japão. Juntamente com grandes nomes época, sua ideia era a de explorar materiais, criando um estilo único. Despojando-se do estilo típico dos anos 80, sua ideia era utilizar cores neutras e reduzir a forma, tornando-se famoso pela utilização de materiais industriais e de fio de acrílico em seus projetos. Kuramata atuou na criação de espaços interiores e nas peças de mobiliário, como a cadeira Senhorita Blanche (Fig. 3), de 1988. A leveza de sua peça fica por conta da transparência do material utilizado, a resina acrílica clara; e o alumínio. Adornada por flores vermelhas no interior do acrílico, as flores parecem voejar junto com o vento e a cadeira, por sua transparência integra-se a qualquer ambiente.

1 Arquitetura Minimalista

2 Obras de Oscar Niemeyer no Brasil

Escultura

O objetivo do artista não deveria ser instruir o observador, mas dar-lhe informação. O artista serialista não tenta produzir um objeto belo ou misterioso, mas age apenas como um escriturário que cataloga os resultados dos seus trabalhos. (Sol Lewitt in MARZONA, 2005, p.68)

O autor da frase, Sol Lewitt (1928-2007), foi membro do movimento Minimalista nos Estados Unidos e atuou na Pintura. Para ele, o artista é um catalogador, ele reúne as formas e as cores, como se armazenasse os dados, no espaço de cada obra.

Donald Judd (1928-1994) também foi pintor, mas em sua carreira passou a se dedicar à Escultura, interessando-se pela relação do objeto com o solo e com o espaço que ocupa. Seu objetivo era trabalhar com a forma e com as cores de maneira simples. Sua escultura em Münster (Fig. 4) parece estar num eterno movimento circular, ansiando por encaixar os dois círculos. A paisagem acolheu a obra do artista que parece pertencer ao ambiente desde sempre. Em suas outras esculturas, muitas vezes produzidas em fábricas, ele utilizou materiais como o ferro, a madeira e o alumínio, como a série de esculturas em “Pilhas”, em que trabalhou com repetição de retângulos presos à parede.

Anthony Caro (1922-2013) também foi escultor do Minimalismo e sua inspiração veio do período em que trabalhou com Henry Moore (1898-1986), conhecido pelas esculturas abstratas. Nos anos 1960, Anthony Caro se desvencilhou da obra figurativa e passou a utilizar materiais como o ferro e o aço em suas obras. De aço soldado, sua Peça Saliente (Fig.8) parece se destacar em uma superfície plana, para a qual parece ter sido feita sob medida. O contraste da cor marrom da peça com o fundo liso da parede parece destacar a ideia de movimento, como se o conjunto todo estivesse pronto para sair do local.

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Dan Flavin3 (1933-1996) foi considerado um dos principais precursores do Minimalismo e atuou em várias áreas entre as quais a Pintura, a Escultura e as Instalações. Seus trabalhos com os tubos de luz fluorescentes começaram em 1963 e lhe renderam exposição em uma galeria de Nova York em 1964, depois disso ganharam espaço em mais galerias e passaram a ter tamanhos maiores. Suas instalações iluminadas ordenadas por meio de linhas coloridas são alegres representações da Arte. Alinhadas, em meio ao conjunto arquitetônico a que pertencem, as elegantes intervenções nos espaços a que pertencem, convidam o observador a participar da obra, por meio das sensações. A exploração espacial em suas diversas possibilidades, fazendo uso da luz e da sombra trouxe para o campo da Arte uma nova perspectiva e talvez mais que isso, o uso da luz deixa um evidente sentido de utilidade para o objeto artístico.  

3 Dan Flavin

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Pintura

Algumas recentes caixas de parede parecem ocas… alguns quadros recentes redefinem a cor como luminância (luz refletida). E usam este novo espectro de cor para que nenhuma ilusão ou profundidade sejam de todo possíveis. (Jo Baer in MARZONA, 2005, p.36)

Talvez o estilo tenha vindo com o intuito de buscar equilíbrio para um período repleto de informações em tantas áreas de conhecimento, descartando o fútil, sintetizando e trazendo à tona o essencial, deixando claro que a Arte tem sua própria realidade e não precisa das coisas externas.

Josephin Gail Baer (1929) é uma pintora norte-americana associada ao Minimalismo que vive e trabalha em Amsterdam, na Holanda. Nos anos 1960, seus trabalhos deixaram à mostra o espírito contemporâneo; e a partir dos anos 1970 o estilo da artista passou a expressar subjetividade. Suas obras parecem agregar símbolos, palavras e imagens sem um fim narrativo, o que a própria artista denomina como “figuração radical”. Esse teor ficou nítido na obra “Testamento dos Poderes constituídos” (Fig. 9) em que camelos, montanhas, flores, terra, raízes e fissuras convergem para um mesmo ponto na parte inferior da tela, como se tudo o que conhecemos fosse terminar naquele momento. A simbologia da obra é reforçada pelo caráter intenso com que a artista trabalha. Em exposição no Museu de Amsterdam, a obra Crepúsculo (Fig. 10) deixa à mostra uma profunda compreensão do mundo pela artista. Reunindo elementos míticos e a natureza, a imagem parece abrir uma fenda em vários pontos para onde podem convergir todas as imensas pedras eretas. O espaço em branco ao meio permite ao observador criar a sua narrativa sobre o que está realmente ocorrendo. O crepúsculo na parte esquerda inferior parece não se importar com o que acontece ao restante da cena.

Durante os anos 1960 Sol Lewitt (1928-2007) trabalhou com cubos em meio a estruturas organizadas levando o olhar a construir figuras. A seguir Lewitt também trabalhou com murais em que brincava com a percepção de volume e de formas. A Instalação Pública no Olympic Sculpture Park (Fig. 12) de 2014 apresenta a repetição da forma cúbica, o que conduz o olhar a reforçar tal configuração. Cada um dos lados e o fundo de cada imagem possuem cores vivas, como se estivesse tudo pulsando ativamente, trazendo a possibilidade de variações e de permuta, alterando os sentidos de quem observa a obra.

Considerações Finais

A vida não dura; a arte não dura. Não importa… Penso que é tanto um conflito artístico como de vida. (Eva Hesse in MARZONA, 2005, p.68)

A Arte se diz e se contradiz; ela oscila, por vezes vai e volta, trazendo e levando o que é melhor para cada época. Assim se construiu a História que a Arte escreveu. No caso do Minimalismo, o sentido verdadeiro da Arte, sem os elementos da realidade criaram mais que simplesmente algo ligado à abstração, mas a Arte pura, sem cortes e sem referências com o mundo conhecido. Fruto da consciência Construtivista, a Arte se ligou ainda mais às formas geométricas e às cores puras, revelando a pureza da Arte por si só.

Na produção musical, o Minimalismo se apresentou com a repetição de pequenos trechos, sem muitas notas musicais, o que proporciona um arranjo agradável de ouvir. Entre os músicos do estilo estão Philip Glass4 (1937), Steve Reich5 (1936) e Arvo Part (1935). O estilo Minimalista também passou pela Literatura, com os microcontos ou minicontos, com economia de palavras, cenários simples e lugares comuns. Nesse campo, entre os representantes estão os nomes de Raymond Carver (1938-1988) e Ernest Hemingway (1899 -1961).

O refazer da Arte é constante e interminável, é como um vai e vem de estilos que se reinventam. O artista aprecia esse criar constante e nosso olhar agradece o Belo que cada estilo definiu. A cada nova forma de fazer da Arte, estamos mais próximos da Arte verdadeira, a que aquece os sentidos e nos possibilita sensações, a que promove percepções do bom e do verdadeiro mundo das idéias.

Alguns vieram acorrentados
Impendentes, mas cansados.
Cansados ​​demais, mas para tropeçar.
Pensar e odiar acabaram
Pensar e lutar acabaram
Recuar e esperar acabaram.
Cura assim uma longa campanha,
Tornando a morte fácil.
(HEMINGWAY, 1970, 20)

4 Philip Glass – música

5 Steve Reich – música

Referências:

  1. ANDRADE, Mário. Poesias completas. São Paulo: Editora Itatiaia, 1987.
  2. BANDEIRA, Manuel. Bandeira de Bolso. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008.
  3. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  4. BILAC, Olavo. Antologia Poética. Porto Alegre: Ed. L & PM Pocket, 2007.
  5. CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. São Paulo: Publifolha, 2014.
  6. FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
  7. GASSET, José Ortega y. A desumanização da arte. 5 a. Edição. São Paulo: Ed.Cortez, 2005.
  8. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  9. GUILLAUME, Apollinaire. Álcoois e outros Poemas. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.
  10. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  11. HEMINGWAY, Ernest. The Collected Poems of Ernest Hemingway. Nova York: Haskell House Publishers, 1970.
  12. MARZONA, Daniel; GROSENICK, Uta. Minimal Art. Colônia, Alemanha: 2005.
  13. MEIRELES, Cecília. Espectros. São Paulo: Editora Global, 2013.
  14. MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira atrvés dos Textos. São Paulo: Editora Pensamento Cultrix Ltda., 1971.
  15. MORAES, Vinícius. Antologia Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
  16. NETO, João Cabral de Melo. Museu de Tudo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975.
  17. PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 2005.
  18. QUINTANA, Mário. Quintana de Bolso. Porto Alegre: L&PM, 2007.
  19. SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno Príncipe. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1977. SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002.

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ROSÂNGELA VIG 
Sorocaba  São Paulo
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