Montagem de ‘Audiência’, do tcheco Václav Havel, celebra os 30 anos da Revolução de Veludo, que marcou início do processo de democratização na República Tcheca

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Traduzida do tcheco por Luis Felipe Labaki e dirigida por Juliana Valente, peça do Coletivo Cardume faz crítica ao autoritarismo. Espetáculo estreia na SP Escola de Teatro dia 29 de novembro

Pouco encenado no Brasil, o poeta, dramaturgo, ativista e ex-presidente tcheco Václav Havel (1936-2011) foi um dos líderes da Revolução de Veludo, movimento pacífico responsável pelo fim do regime autoritário comunista na antiga Tchecoslováquia. Para marcar os 30 anos desse levante político e criar uma reflexão sobre o valor da democracia, o Coletivo Cardume estreia o espetáculo “Audiência”, com direção de Juliana Valente e tradução de Luis Felipe Labaki, na SP Escola de Teatro – Sala Hilda Hilst, no dia 29 de novembro. A temporada segue até 16 de dezembro, com ingressos por até R$30.

Crítico ao autoritarismo, Havel foi impedido de ter suas peças encenadas durante a época que ficou conhecida no país como “Normalização” (1968-1989), período de recrudescimento do regime comunista que deu fim ao processo de liberalização ocorrido na Primavera de Praga (1968). Em 1974, com dificuldades financeiras, o dramaturgo foi obrigado a trabalhar por alguns meses em uma cervejaria na cidade de Trutnov.

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Essa experiência serviu-lhe de inspiração para escrever a peça “Audiência” (1975), que narra a visita do ex-dramaturgo Vaněk (na montagem do Coletivo Cardume, interpretado por Marô Zamaro), uma espécie de duplo do autor, ao escritório de seu chefe, o Mestre Cervejeiro (Pedro Massuela). Entornando várias garrafas de cerveja, o patrão pergunta ao subordinado sobre sua vida anterior à função maçante de rolar os barris da cervejaria e sobre as atrizes e personalidades com quem convivia no teatro.

Na conversa, o Mestre Cervejeiro se lembra dos próprios velhos tempos, extravasa sobre suas desilusões e propõe a Vaněk um novo trabalho em troca de um favor. O poeta e dramaturgo dissidente deveria ajudar a escrever os relatórios solicitados pelo serviço secreto sobre suas atividades “subversivas”.

“A peça nos apresenta um embate entre duas visões de mundo. Vaněk e o Mestre cervejeiro possuem experiências de vida e perspectivas muito diversas entre si. E esse atrito é o primeiro aspecto que nos chama a atenção. Eu poderia dizer que esse aspecto estrutural da peça dialoga profundamente com a séria polarização política que vivemos no Brasil”, conta a diretora Juliana Valente.

Ambos impactados pelo regime totalitário, o “operário” e o “intelectual” desenvolvem reflexões profundas acerca da vida em uma época de censura acentuada e das diferenças de classe em um ambiente supostamente igualitário. “Outro aspecto trazido pelo texto é o questionamento sobre o lugar do artista e do intelectual na sociedade. Essa é uma discussão que atualmente tem ganhado espaço por conta do processo de desvalorização do artista e do conhecimento intelectual de maneira geral que estamos vivendo”, acrescenta a encenadora.

O espetáculo tem a proposta de defender a democracia e a liberdade de pensamento e expressão, ameaçadas diante do turbulento cenário político mundial atual, além de discutir como o totalitarismo é prejudicial em qualquer regime.

A peça tem trilha sonora executada ao vivo por Francisco Turbiani e Luis Felipe Labaki e cenário também assinado por Juliana Valente. A plateia é disposta frente a frente, com elementos cênicos dispostos em um corredor. “Uma das minhas primeiras preocupações em relação à direção foi a criação do ambiente de uma cervejaria. Isso aparece nos elementos de cenário e adereços, mas também se relaciona com a escolha de evidenciar os músicos em cena, caracterizados como funcionários dessa fábrica”, afirma a diretora.

Trilogia Vaněk

Além de “Audiência” (1975), Havel escreveu na década de 1970 outras duas peças com o mesmo protagonista, o dramaturgo Ferdinand Vaněk: “Vernissage” (1975) e “Protesto” (1978). O personagem – e até a figura de Havel – também foi apropriado por outros dramaturgos tchecos, como Pavel Kohout e Jirí Dienstbier.

Os três trabalhos circularam amplamente na Tchecoslováquia na forma de “samizdat” (a divulgação clandestina de publicações censuradas pelos regimes totalitários no Leste Europeu) e reforçam a reputação do autor como um dos principais dissidentes políticos do país. Depois da estreia de “Audiência”, o Coletivo Cardume pretende montar as duas outras peças dessa sequência.

Václav Havel

Nascido em uma família abastada de empresários e intelectuais, Havel despontou como escritor e poeta em meados da década de 1950 e iniciou sua carreira no teatro em 1959 como técnico de palco no Teatro ABC, em Praga. Sua primeira peça, “Noite em Família”, foi escrita naquele mesmo ano. Ele ficou conhecido como dramaturgo graças ao sucesso das peças “A Festa no Jardim” (1963), “Comunicado” (1965) e “A Crescente Dificuldade de Concentração” (1968), que faziam duras críticas ao regime opressor e à situação do homem moderno contemporâneo.

Devido à militância política, Havel foi preso em diferentes ocasiões e impedido de ter suas peças encenadas durante o período da “Normalização”. Sua mais longa estadia na prisão aconteceu entre 1979 e 1983.

Alguns anos mais tarde, Havel lideraria o movimento Fórum Cívico, formado na emergência dos protestos da Revolução de Veludo, que no dia 17 de novembro de 1989 pôs fim ao regime comunista na Tchecoslováquia. Por conta dos seus escritos sobre liberdade de expressão e de pensamento, Havel foi o porta-voz do movimento, sendo o responsável por negociar com o regime comunista a entrega do poder e por encabeçar a transição entre os governos.

Naquele mesmo ano, o dramaturgo foi eleito o último presidente da Assembleia Federal. Com a independência da Eslováquia, em 1993, ele ainda foi eleito o primeiro presidente da República Tcheca e governou o país até 2003, em dois mandatos.

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SOBRE JULIANA VALENTE – DIREÇÃO

Atriz, diretora e arte-educadora, Juliana Valente é formada em Artes Cênicas com habilitação em Interpretação Teatral pela Escola de Comunicações e Artes da USP desde 2012. Atuou nos espetáculos “Os Fins do sono” (2016); “Marie” (2014); “O Balneário” (2012); “Salém” (2013), criado a partir do texto “As Bruxas de Salém”; “O Horácio” (2012), adaptado do texto de Heiner Müller; “Madrid 36: Reminiscências da guerra civil espanhola” (2010); “Um pássaro na mão” (2009), adaptado da peça “A Gaivota” de Anton Tchekhov; “Primeiras estórias” (2008), adaptado do livro homônimo de João Guimarães Rosa; e “Hoje é dia rock” (2007) de José Vicente. Fez assistência de direção do espetáculo “O Filho de Moony Não Chora”, de Tennessee Willians (2018) em cartaz no Teatro do Pequeno Ato.

Como arte-educadora, dirigiu entre os anos de 2012 e 2017 os espetáculos “O Rinoceronte”, adaptado do texto de Eugéne Ionesco; “A Exceção e a Regra”, livre adaptação do texto de Bertold Brecht; “O Inimigo do Povo”, adaptação do texto de Henrik Ibsen; “O Inspetor”, criação coletiva a partir do texto “O inspetor geral” de Nikolai Gógol; “O Poço e O Ladrão”, adaptação dos contos de Mário de Andrade; “Aquele que diz sim e aquele que diz não”, a partir do texto de Bertold Brecht; “O Padrão é ser feliz”; “Reflexões de um Eu”; “Os círculos de giz”, livremente inspirado no texto “O Círculo de giz caucasiano” de Brecht; “Ensaio sobre a Intolerância”; “Os Roxos e Os Rosas”, livremente inspirado no texto “Os Horácios e os Curiácios”, de Brecht; “A Nossa Peça”; “Ou Isto ou Aquilo”; “Escolhas”; “As Crônicas de Maria Joaquina”; “Uma Peça de Terror”; “Como Enganar a Morte”, a partir dos contos de Ricardo Azevedo; “A Megera” e “Hamlet”, adaptações das peças de William Shakespeare.

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No Cinema, atuou nos filmes “Um Guarda Real” (2019), com roteiro e direção de Luis Felipe Labaki, e em “Jennifer: Menina mulher da pele preta” (2010), com roteiro e direção de Renato Cândido, contemplado pelo VAI do Estado de São Paulo.

SOBRE LUIS FELIPE LABAKI – TRADUÇÃO

É cineasta, tradutor do idioma russo e compositor. Dirigiu os curtas-metragens “O Pracinha de Odessa” (2013), “Que tal a vida, camaradas?” (2017) e “Um Guarda Real” (2019). Para o teatro, escreveu duas peças para o Coletivo Cardume de Teatro: “O Balneário” (2012) e “Os fins do sono” (2016).

É mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, tendo defendido em 2016 sua dissertação “Viértov no papel: um estudo sobre os escritos de Dziga Viértov”. Em 2017, foi co-curador do ciclo de documentários soviéticos “100: De Volta à URSS”, que integrou a 22ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários. Em 2018 e 2019, integrou o comitê de seleção de curtas internacionais do festival. Entre 2011 e 2015, colaborou com o coletivo NME (Nova Música Eletroacústica), participando da produção de concertos em diferentes espaços culturais de São Paulo e realizando peças acusmáticas e vídeos para os projetos do grupo. Entre 2014 e 2015, participou como colaborador mensal da revista eletrônica linda, voltada à música e arte experimental.

Além de atuar como montador e compositor de trilhas musicais, trabalha como tradutor do russo, tendo publicado “Esqueci como se Chama”, pela Cosac Naify (2015), coletânea de contos infantis de Daniil Kharms.

SOBRE O COLETIVO CARDUME

Formado pela reunião de artistas, alunos e ex-alunos da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP), o Coletivo Cardume surgiu em 2012 com a estreia de “O Balneário”, uma adaptação do texto “Um Inimigo do Povo”, de Henrik Ibsen, para o contexto litorâneo paulista. O trabalho inaugural foi contemplado pelo ProAC – Primeiras Obras do Estado de São Paulo e circulou naquele ano pelas cidades de São Paulo, Cubatão, Mongaguá, São Vicente e São Sebastião.

Em 2015, o grupo iniciou uma nova pesquisa ligada ao universo do trabalho e suas implicações nas grandes metrópoles urbanas que originou o espetáculo “Os Fins do Sono”, um texto inédito a partir do livro “24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono”, de Jonathan Crary. A peça foi realizada dentro de uma residência artística no espaço sede do Teatro da Vertigem, dentro do projeto “Novos encenadores”, com financiamento da Petrobras/Governo Federal.

SINOPSE

Tchecoslováquia, década de 1970. Trabalhando em uma cervejaria no interior do país, o dramaturgo Ferdinand Vaněk é convocado ao escritório do Mestre Cervejeiro. Entre uma garrafa e outra, o chefe indaga Vaněk sobre sua vida no meio artístico, sua adaptação ao novo ambiente e lhe faz uma proposta que testa os limites de sua ética.

FICHA TÉCNICA

Dramaturgia: Václav Havel
Tradução: Luis Felipe Labaki
Direção: Juliana Valente
Atuação: Marô Zamaro e Pedro Massuela
Músicos em cena: Francisco Turbiani e Luis Felipe Labaki
Sonoplastia: Luis Felipe Labaki
Iluminação: Francisco Turbiani
Cenário: Juliana Valente
Figurino: Criação coletiva
Direção de Produção: Francisco Turbiani
Assessoria de Imprensa: Bruno Motta e Verônica Domingues – Agência Fática
Apoio: Consulado Geral da República Tcheca em São Paulo
Apoio Institucional: SP Escola de Teatro
Realização: Coletivo Cardume

SERVIÇO
Audiência, de Václav Havel
SP Escola de Teatro – Sala Hilda Hilst – Praça Rooosevelt, 210, República
Temporada: 29 de novembro a 16 de dezembro
Às sextas, aos sábados e às segundas-feiras, às 21h; e aos domingos, às 19h
Ingressos: R$30 (inteira), R$15 (meia-entrada e ingresso-amigo) e R$10 (aprendizes da SP Escola de Teatro)
Aceita cartões de débito e dinheiro.
Venda de ingressos online pelo site Sympla.
Classificação: 12 anos
Duração: 75 minutos
Informações: (11) 3775-8600
Facebook: @ColetivoCardume
Instagram: @coletivocardumedeteatro

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