Soneto a Lasar Segall
De inescrutavelmente no que pintas
Como num amplo espaço de agonias
Imarcescível música de tintas
A arder na lucidez das coisas frias:Tão patéticas sois, tão sonolentas
Cores que o meu olhar mortificais
Entre verdes crestados e cinzentas
Ferrugens no prelúdio dos metais.Que segredo recobre a velha pátina
Por onde a luz se filtra quase tímida
Do espaço silencioso que esculpistePara pintar sem gritos de escarlate
Na profunda revolta contra o crime
Daqueles que fizeram da vida triste? …
(MORAES, 2006, p.38)
Em meio ao barulho de veículos, aos passos desordenados, ao rumorejo de vozes e aos andares ansiosos, a nervosa Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo pode parecer apenas mais uma avenida, entre tantas, na agitada metrópole. Mas o estresse pode se render e dar uma trégua ao olhar, no oitavo andar, do número 278. Ali, o Belo da Arte atenua o cansaço, alivia o semblante extenuado da azáfama da cidade que se agiganta.
O local é a Pinacoteca da Associação Paulista de Medicina, iniciada em 1940. Sua função inicial era promover debates e palestras, dos quais faziam parte, médicos, críticos de Arte e artistas. O propósito era estimular o interesse pela Arte, a partir da criação de uma galeria de artistas brasileiros, da época. Além dos médicos que costumavam participar das reuniões, havia nomes como Di Cavalcanti e Aldo Bonadei. Entre os críticos, estavam Sérgio Milliet e Lourival Gomes Machado. Em 1948, sob a diretoria de Ernesto Mendes, começou então a ser formado o acervo, com 14 obras dos principais pintores modernistas, compradas por valores ainda muito inferiores aos atuais. Outras duas obras foram doadas pelo presidente da APM, professor Jairo Ramos e outra pelo próprio Lasar Segall. Do Modernismo brasileiro, além de Lasar Segall, há obras de Tarsila do Amaral e de Anita Malfati. E, à riqueza do acervo, somam-se ainda Rebolo, Bonadei, Volpi, Clóvis Graciano e Zanini, componentes do grupo Santa Helena 1 que, na década de 30, reunia-se nos ateliês de Rebolo e de Zanini. Da Arte Contemporânea, que começou a tomar feições depois de 1950, somaram-se à Pinacoteca da APM, Alex Flemming, Antônio Peticov, Caciporé Torres, Cláudio Tozzi, Gustavo Rosa, Aldemir Martins, entre muitos outros importantes artistas. Para receber a rara coleção, o oitavo andar do prédio da APM foi reformado e se tornou um prazeroso local de apreciação de obras de Arte.
Sob a diretoria do Dr. Guido Arturo Palumbo, desde 1991, a Pinacoteca da APM abriu as portas para exposições individuais de artistas. Ficariam por conta da APM, o uso do espaço, os convites e o coquetel; ao artista, caberia deixar uma obra para o acervo. Movido por sua paixão pela Arte, o diretor ampliou ainda mais a coleção, que já era grandiosa. Seu fascínio possibilitou a divulgação de novos grandes talentos e acrescentou mais nomes da contemporaneidade ao conjunto.
Das obras do Modernismo que fazem parte da coleção estão nomes de artistas participantes da Semana de 22, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral (Figuras 4, 6 e 8). Nos traços tão únicos de cada um, ficaram nítidos registros do pensamento modernista, da Cultura brasileira, dos retratos tão cheios de Brasis, tão ricos de cores, tão repletos em ousadia na forma, que provocaram impacto na época. Em tom mais sóbrio, Lasar Segall (Fig. 5) ilustrou o interior, com seus cavalos e a casinha simples do bom caipira. Aldemir Martins (Fig. 1), despreocupado com a forma, não se importou em retratar a pobreza, que muitas vezes não se quer ver, e que fica oculta entre quatro paredes. A esteira seca, sobre o chão batido representa a mesa. Sobre ela, apenas uma cuia vazia e a desolação. Volpi (Fig. 2) representou um interior com cores puras. Nessa época suas bandeirinhas ainda não voejavam coloridas pelas telas. E as cores puras ainda percorreram a tela de Pancetti (Fig. 3), sob o olhar ressabiado do próprio artista. No traço tão único e inconfundível de Rebolo (Fig. 9), a pintura quase adquire nuances de aquarela, quando a cor se perde no horizonte, junto com o olhar do visitante, que viaja encantado pelas cercanias do interior, pelas paisagens que podem estar em muitos pedaços do Brasil.
Os retratos do interior do Brasil cedem, aos poucos, lugar para uma inquieta Contemporaneidade que emerge por volta dos anos 50. Desses retratos da Arte, a liberdade fica nítida na obra de Cláudio Tozzi (Fig. 11). Sua grande cidade, repleta de arranha-céus, em nada assusta. A colorida, a metrópole avança em cores, tem tom alegre, acolhedor e brinca com a perspectiva. Também de linhagem Contemporânea, a escultura de Caciporé (Fig. 10) sugere a leveza de uma borboleta, contrastando, pois com a robustez do aço, material do qual a escultura é feita.
Mas não bastaria apenas a belíssima coleção. De seu encantamento pela Arte, o Dr. Guido ainda preparou uma exposição especial, com parte das obras do acervo, que estará aberta a partir de 26 de novembro. Na data da abertura, será lançado um livro sobre os artistas e suas obras, com textos do próprio diretor da Pinacoteca e do crítico de Arte Jacob Klintowitz. O livro estará disponível para os visitantes, sem nenhum custo. E a Pinacoteca é aberta para visitação individual ou em grupos, com monitoria da própria APM, de segunda a sexta-feira, das 10 às 19 horas.
Talvez o que mova a Arte seja a paixão, o entusiasmo, o fascínio pela cor e pela forma. Mas é necessário apenas um coração aberto, para que o Belo encante e para que o Sublime desperte o espirito. Enquanto houver tais apaixonados, a Arte não há de findar. É preciso ler o soneto de Olavo Bilac, para se compreender esse pensamento, com clareza,
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” e eu vos direi no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite enquanto
A Via Láctea, como um pátio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entende-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido,
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
(BILAC, 2007, p.28)
E pode ser que pela Arte ainda se escrevam muito mais histórias como essa, encantadoras e tão construtivas de nossa Cultura.
1 O Grupo Santa Helena foi um dos mais importantes do Modernismo. Vários artistas se reuniam no Palacete Santa Helena, junto ao Marco Zero da cidade de São Paulo, no número 13 da Praça da Sé. O grupo crescia, assim como sua motivação pela Arte. De origem social simples, muitos desses artistas eram autodidatas e se uniram por um objetivo comum, o de viver da Arte.
www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/eixo/stahelena/stahelena.htm
Sala Modernista:
www.apm.org.br/pinacoteca-sala-modernista.aspx
Sala Contemporânea:
www.apm.org.br/pinacoteca-sala-contemporanea.aspx
SERVIÇO: *Só nós postamos no grupo, então não há spam! Pode vir tranquilo.
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A ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA LANÇA LIVRO E ABRE EXPOSIÇÃO DO ACERVO DE SUA PINACOTECA |
Local: Pinacoteca da Associação Paulista de Medicina |
Endereço: Av. Luís Antônio, 278– Bela Vista – SP |
Visitas à exposição Mostra Acervo: de 26 de novembro de 2015 até 30 de abril de 2016, de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h30. |
Ingresso: gratuito |
Onde encontrar o livro: interessados em receber o livro gratuitamente deverá entrar em contato: pinacoteca@apm.org.br ou (11) 3188-4304 (número de livros limitado) Inscreva-se para receber as Novidades sobre Eventos |
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Confira no mapa:
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Referências:
BILAC, Olavo. Antologia Poética. Porto Alegre: L & PM Editores, 2007.
FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
MORAES, Vinícius. Livro de Sonetos. São Paulo: Editora Schwarcz, 2006.
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ROSÂNGELA VIG
Sorocaba – São Paulo
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Colunista no Site Obras de Arte
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