Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:
A Arte Bela
No retrato que me faço
– traço a traço –
Às vezes me pinto nuvem
Às vezes me pinto árvore…Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembrança…
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão…E desta lida em que busco
– pouco a pouco –
Minha eterna semelhança.No final que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco!
(QUINTANA, 2004, p.47)
É pelo traço quase de criança, que o artista delineia seus personagens que estão entre o povo e os costumes regionais. Em meio a jardins floridos e pássaros, as pesssoas passam em carros de boi, em jardineiras e sobre burrinhos. Há personagens de nossa História, de nosso dia a dia, de nosso folclore, procissões, animais de nossa fauna e tantos Natais, aqui com linhas simples, sem preocupação com o feitio, porque o importante é o fazer artístico, puro, sem rigor. Esse é o estilo Naif e se explica por ele próprio, em singeleza, em inocência, tão lindo quanto o soneto de Mário Quintana (1906-1994).
Como definição, o termo Naif, em francês, significa natural, espontâneo, ingênuo, assim como é esse fazer artístico, que deu a Henri Rosseau 1 (1844-1910), o título de precursor e de ícone. Autodidata e com um estilo próprio e diferenciado, o artista chegou a ser ridicularizado e, somente no começo do século XX, quando o Primitivismo 2 retomava força, artistas das vanguardas mudaram seu olhar para a Arte Naif. O escritor francês Alfred Jarry, admirador de sua obra, apresentou Rosseau ao grupo de boêmios de Paris. Picasso chegou a comprar suas obras e a homenageá-lo. Outros intelectuais, como Apollinaire e Delaunay passaram a ser admiradores de seu trabalho. Embora o estilo leve à ideia de simplicidade, Rosseau estudava minuciosamente cada detalhe, modificava a perspectiva e combinava elementos fantasiosos.
Confunde-se a Arte Naif, muitas vezes, com a ideia de popular, mas essa forma de pintar trata principalmente da fuga dos padrões tradicionais, presentes na Arte Ocidental, como a perspectiva e a anatomia. O artista faz uso de cores brilhantes e vivas; há uma grande riqueza de elementos decorativos minuciosos e coloridos, que muitas vezes se repetem, o que leva a uma sensação final de inocente alegria à obra. Sem a influência de escolas de Belas Artes, o artista desenvolveu sua própria forma de interpretar a realidade e sua cultura, a partir de experiências próprias, liderado pelo ímpeto de imortalizar um momento.
No Brasil, entre os ícones da Arte Naif estão Heitor dos Prazeres (1898-1966), José Antônio da Silva (1909-1996), Cardosinho (1861-1947), Chico da Silva (1910-1985), Grauben (1889-1972), e muitos outros, com destaque aqui, para Antônio Poteiro 3 (1925-2010), escultor, ceramista e pintor, de nacionalidade portuguesa, que viveu em Goiânia; e para Waldomiro de Deus 4 (1944-), pintor brasileiro, natural da Bahia, que vive hoje em São Paulo. As obras desses grandes artistas reconhecidos, cujas imagens ilustram esse texto, demonstram essa renúncia ao acadêmico e um retorno ao primitivismo.
A obra de Poteiro prova que o Belo, na Arte, não está ligado à correspondência com simetria ou com realidade, mas fica claro o caráter significativo e expressivo que dela flui. A Beleza de sua Ciranda (Fig. 1) não emana da perspectiva, mas do brincar inocente, das cores alegres que se entrelaçam num rodar infindável; do esvoaçar das flores pelo movimento das crianças; dos anjos que abençoam tudo, do alto. E os anjos da ciranda, voam para abençoar uma Santa Ceia (Fig. 2) farta, bela e colorida. A de Poteiro não se parece com a de Da Vinci, o céu bem azul deixa óbvio que o dia está ensolarado, como os dias do Brasil, mas os convidados são os mesmos. O carro de boi (Fig. 3) passa como uma lenta procissão; é possível que se perceba seu movimentar e, num olhar mais demorado, ouve-se até mesmo o barulho do tropel no chão de terra batida. O jardim florido emoldura a parte superior da tela; suas flores amarelas, maiores que os pássaros se repetem proporcionando tranquilidade ao olhar. Pode ser que as lavadeiras, com seus cestos (Fig. 4), estejam a observar a fila de retirantes levando tudo o que possuem em lombo de burro. Eles parecem estar de mudança, num mover lento, contínuo, silencioso. Nos Brasis que Poteiro retratou, há pássaros em revoada ou solitários em seus ninhos; há jacarés, garças (Fig. 5), e tantos animais que ele deve ter visto em Goiás; há jardineiras (Fig. 6); há personagens empunhando suas espadas, heróis, iguais a tantos brasileiros.
Em meio à infinita beleza Naif, a religiosidade, é ilustrada na obra de Waldomiro de Deus, onde se empreende uma luta para ascensão ao céu (Fig. 7). Anjos, em ajuda ao protegido, armam contenda contra os demônios que o cercam. Bandeirinhas brancas e vermelhas adornam a cena comum de uma churrascada (Fig. 8), para a qual foram convidados todos os tipos, de todas as cores, como é no Brasil de Waldomiro. Pelas mãos do artista, o verdadeiro ícone da felicidade é retratado no simples (Fig. 9), na família. Ao redor dos protagonistas da cena, o casario, os animais soltos, o lago repleto de peixes, pessoas, um jardim florido e o céu muito azul. Todas as cenas ficam em meio a um colorido muito alegre, como é o povo brasileiro.
As obras Naif passeiam pelo Belo, porque são bucólicas, apresentam cenas de uma simplicidade indizível, de um regional com o qual o próprios artistas convivem. Um Brasil repleto de natureza, de águas, de animais e de costumes. Tudo isso, somado a uma grande presença do espiritual, dos Natais, do Nascimento de Jesus, em versão nacional. As cores ajustam-se ao significado dos trabalhos, na medida certa, na doçura, na singeleza, e se alternam entre verdes, amarelos, brancos, azuis, vermelhos, conferindo a tudo, um sentido poético.
Talvez se Mário Quintana tivesse descrito as obras Naif de Antônio Poteiro ou de Waldomiro de Deus, ele não conseguiria dizer, apenas contemplá-las, deixar que a fruição passasse pelo olhar e que penetrasse no espírito. Porque o Belo é assim mesmo, espontâneo, emana da alma, dos sonhos, tem poesia, ainda que seja distante de uma correspondência com a realidade. E esse texto, que começou com um poeta, encerra-se com uma poetisa,
Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas, as suas composições. Com a matéria sutil da noite e de nossa alma, devíamos poder construir essas pequenas obras-primas incomunicáveis que, ainda menos que a rosa, duram apenas o instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam sem outro vestígio que a nossa memória. (Texto: Escolha seu sonho, MEIRELES, 1988, p.10)
1 Henri Rosseau:
www.henrirousseau.org
2 O Primitivismo não chegou a ser um movimento, mas uma tendência, que inspirou muitos artistas das vanguardas do início do século XX, como Gauguin. O artista se mudou para o Taiti, onde conviveu com os artesãos e com os povos indígenas, que o inspiraram a produzir uma Arte exótica, livre da forma, mais próxima de seu instinto e com o uso de cores puras. Artistas como Pablo Picasso (1881-1973), Henri Matisse (1869-1954) e Amedeo Modigliani (1884-1920), também foram simpatizantes do estilo e passaram a trabalhar com a ideia da traços simples e simbólicos.
3 Instituto Antônio Poteiro:
www.antoniopoteiro.com
4 Waldomiro de Deus:
pt.wikipedia.org/wiki/Waldomiro_de_Deus
…
Gostou? [highlight]Deixa um comentário[/highlight]!
Referências:
- BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
- FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
- GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
- HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
- MEIRELES, Cecília. Janela Mágica. São Paulo: Ed.Moderna, 1988.
- QUINTANA, Mário. Quintana de bolso. Porto Alegre: Ed.L & PM, 2004.
As figuras:
Fig. 1 – Ciranda, OST, 90 cm x 1 m. Antônio Poteiro.
Inscreva-se para receber as Novidades sobre Eventos
e o Universo das Artes primeiro!
Fig. 2 – Santa Ceia, OST, 90 cm x 1 m. Antônio Poteiro.
Fig. 3 – Carro de Boi, OST, 90 cm x 1 m. Antônio Poteiro.
Fig. 4 – As Lavadeiras e os Retirantes, OST, 90 cm x 1 m. Antônio Poteiro.
Fig. 5 – Garças no Pantanal, OST, 25 x 30 cm. Antônio Poteiro.
Fig. 6 – Jardineira, OST, 25 x 30 cm. Antônio Poteiro.
Fig. 7 – Entre os Céus e seus Mistérios, AST, 150 x 100 cm. Waldomiro de Deus.
Fig. 8 – Churrascada no Quartel, AST, 100 x 130 cm. Waldomiro de Deus.
Fig. 9 – Casal Feliz, AST, 100 x 100 cm. Waldomiro de Deus.
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig http://t.co/SzvITgHrw8
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig | Site Obras de Arte
http://t.co/7sybDWHhfD
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig | Site Obras de Arte
É pelo traço quase de criança, que o artista… http://t.co/vaCROhYw6x
Convido todos a lerem meu novo texto no site Obras de Arte
Arte Naïf – linda Arte… http://t.co/7sBYuBwNa4
Gostaria de compartilhar meu novo texto
Arte Naïf… http://t.co/we4dawvoX8
Meu novo texto Arte Naïf http://t.co/YaYIoACgpB
Arte Naïf – Belíssima
http://t.co/E2bIXPMX04 http://t.co/YAfp9353yk
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig http://t.co/YaYIoACgpB
Arte Naïf, simplesmente bela no site Obras de Arte… http://t.co/6WTzej3Ajx
http://t.co/YaYIoA33SX http://t.co/t7BID8Ie6P
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig http://t.co/YaYIozLt1p
Arte Naif – no site Obras de Arte
http://t.co/YaYIozLt1p http://t.co/pMUs7rPHS1
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig http://t.co/YaYIoA33SX
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig https://t.co/RRCZTk9FXR
A Arte Naif – Arte Ingênua por Rosângela Vig http://t.co/GPDhRcZZwy