Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:
A Arte, na tentativa de traduzir os códigos da realidade, vem, ao longo dos séculos, modificando suas feições, o modo como o artista descreve a natureza e o mundo em que vive. Desde os gregos, os artistas procuravam aproximar seus modelos da realidade, considerando este o ideal de perfeição estética. Se esse modelo permaneceu como o ideal de beleza, ao longo dos tempos, foi a partir do século XIX que os artistas provaram que a Arte poderia modificar a ideia estéril de imitar a natureza. E foi dos gregos, a melhor definição de imitação, conforme segue abaixo:
“As coisas não são para todos iguais, ao mesmo tempo e sempre, e cada uma delas não é própria de cada um em particular, daí resulta com evidência que elas têm por si mesmas uma certa realidade permanente, que não se relaciona conosco nem depende de nós; não se deixam, por isso, arrastar para aqui e para acolá por nossa fantasia, mas existem, naturalmente, por si mesmas e segundo a sua essência própria”. (PLATÃO, 1994, p.16)
Para o filósofo, a ideia de cópia da realidade se dá de uma forma diferente, como uma realidade permanente, a cada pessoa. A cada um, o significado, por exemplo, de uma cadeira remeterá a uma forma, a uma cor e a um tamanho diferentes do mesmo objeto, sendo portanto, a ideia principal, a de um local para se sentar. Remetendo esse pensamento para a Arte, pode-se afirmar que, para os gregos, a Arte Clássica, embora tenha relação com os códigos da realidade, ou seja, mesmo que se pareçam como modelos reais das pessoas, da natureza, ainda assim, são meras imitações da ideia do artista, que interpretou aquela realidade a seu modo. Ou seja, ele usou modelos da realidade, mas os expressou de acordo com sua compreensão e como o viu.
Os padrões considerados clássicos perduraram muito tempo depois, até o final do século XIX, quando as expressões artísticas passaram a demonstrar, cada vez menos, correspondência com a realidade. A Arte Moderna consolidou esse paradigma, por meio das vanguardas, que abriram um leque de novas ideias e pensamentos, deixando o artista ainda mais livre, para que seu interior ficasse impresso em suas obras. Daí se tem, a partir do século XIX, o Impressionismo, o Expressionismo e no início do século XX, o Fauvismo, o Cubismo e o Futurismo, entre outras vanguardas, que mudaram as formas da arte e levantaram questões a respeito da beleza. O fazer artístico deixava de ser moldado ao clássico, mas se aproximava cada vez mais da abstração, deixando muitos perplexos diante de uma Arte que invertia ou deformava a realidade.
Não se pode deixar de lembrar a grande influência da invenção da fotografia, na primeira metade do século XIX. Disponível somente no final do século, não haveria mais a necessidade de o artista mostrar a realidade numa obra, porque a fotografia daria conta disso. Foi nesse tempo que as correntes Impressionistas tiveram início, com Monet, Manet e Renoir. Mas a Arte ainda evoluiu mais e, no início do século XX, diante das incertezas que a humanidade vivia, Picasso causou espanto com Les Demoiselles D’Avignon. Mais tarde, o mesmo artista chocou com Guernica, quando teve a oportunidade de deixar claras as impressões que teve, com relação ao bombardeio na cidade espanhola de mesmo nome.
Essa forma de expressão que se distanciava da realidade e que criava uma nova forma de interpretá-la, com base no pensamento do artista, deixava de ser bela, opunha-se à ideia clássica criada pelos gregos, para inverter a ordem das coisas, o que, para muitos pareceu feio. Essa questão da realidade na Arte, foi interpretada por Gasset (2005, p.66), como uma “dificuldade do grande público para acomodar a visão a essa perspectiva invertida”. A Arte Cubista, no auge do Modernismo, distanciava-se dos modelos do mundo e se tornava difícil ao espectador, acomodar a visão para esse novo padrão.
Deve-se lembrar entretanto, que, se a fotografia poderia mostrar a realidade de maneira mais rápida, a Arte deveria então se aproximar do pensamento do artista, que ficou livre para deixar em sua obra, seus códigos linguísticos, por meio do desenho. Pode-se dizer que as obras, a partir do Modernismo, trabalharam com a ideia da reflexão, do raciocínio, ao sugerir o que o artista pensava. Este, agora livre, poderia desamarrar os laços com a realidade e com a Arte clássica e teria a possibilidade de conduzir suas ideias ao ilimitado.
Sobre isso, já no século XVIII, Schiller falava a respeito de uma liberdade na Arte, possibilitadora de um espírito livre, que conduzisse artista e público ao ilimitado, na questão da interpretação dos signos artísticos. Esse espírito livre possibilitaria um desenvolvimento moral humano. Schiller, condutor do pensamento romântico, tinha como marca principal a ética e fez questão de levar isso às esferas artísticas. Discípulo de Kant, o filósofo deixou como marca, a ideia da liberdade em todas suas formas essenciais: política, social e moral, conforme diz:
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“A liberdade de vosso espírito será intocável para mim. Vossos próprios sentimentos fornecer-me-ão os fatos sobre os quais construirei; vosso pensamento livre ditará as leis segundo as quais se deverá proceder” (SCHILLER, 2002, p.20)
Embora o autor não tenha conhecido a Arte Moderna, sua visão ia além, no que diz respeito ao assunto. Esse pensamento, embora trazido do século XVIII, traduz perfeitamente a linguagem atual das manifestações artísticas. Desde o Modernismo, percebe-se que os traços nunca foram tão livres e soltos, os artistas deixaram de se prender a tendências ou a correspondências com a realidade. O espírito livre passa a se expressar sem as privações da matéria, abandona a realidade de um ideal estético que desde os gregos permaneceu como modelo. É nesse campo que a moral atua, segundo o filósofo, e o espírito, livre, trabalha com a reflexão e com o raciocínio, avança na questão dos significados e caminha no mundo das ideias.
Schiller nos falava de um ideal de perfeição que ainda é atual, aquele que se volta para o que diz o espírito e para a liberdade. Claro que não se pode deixar de lado a questão do gosto de cada época, mas a compreensão dos traços contemporâneos da Arte, sugere que se eleve o pensamento para além, para o ilimitado e para a liberdade. Os traços abstratos e as formas geométricas que desde as vanguardas ousaram, sugerem uma compreensão que vai além da realidade. Nunca o artista ficou tão livre para se expressar e para expor seu pensamento. Ao espectador, cabe ousar e elevar também seu pensamento, uma vez que nisso tudo, se vê o aprimoramento ético.
Obras de Arte de Rosângela Vig:
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