As narrativas visuais são produções e/ou criações imagéticas organizadas a partir de sucessivos episódios e ocorrências com imagens que se integram. Em nossa cultura imediatista, uma de suas maiores características é privilegiar a produção de comunicações cada vez mais visuais e imagéticas, contendo informações cada vez mais precisas e velozes. O objetivo deste artigo é o de analisar o gênero “poema”, contido nesta obra, segundo os conceitos de Mikhail Bakhtin, assim como os efeitos de sentidos produzidos pelo texto imagético visual, tendo como base teórica e metodológica, os aspectos que privilegiam a retórica e imagem, de Roland Barthes.
O ser humano sempre se utilizou das artes visuais para a sua comunicação desde a Pré-História, denominada Arte Rupestre, através de pinturas, realizadas com pigmentos, assim como gravuras, realizadas com incisões na própria rocha, documentando os primeiros registros de uma forma embrionária de escrita, as quais documentavam situações de seu cotidiano, ou ainda de exaltação de suas crenças. Já na Idade Média, as artes visuais foram apropriadas pela igreja católica, que as utilizava para servir aos seus interesses, concluindo-se que o imagético interpretava o mundo religioso para massificar conceitos em uma sociedade quase que totalmente formada por analfabetos (Enciclopédia Itaú Cultural, Pintura Sacra). Já no século XV, com textos impressos a partir da primeira impressora mecânica, criada por Johannes Gutenberg, surge uma nova forma de comunicação que ia além dos desenhos e manuscritos, oferecendo ao homem uma comunicação escrita através de impressões em larga escala, possibilitando a diversificação do conceito de gênero, para Bakhtin ([1979], 2003, p. 261) …. contribuindo, assim, com a teoria da psicologia do desenvolvimento (p. 28) e diminuição substancial do número de analfabetos.
Porém, segundo Barthes (1984), a comunicação manteve-se, desde o classicismo, através de escrita e imagens, além de livros produzidos apenas com desenhos. Na era contemporânea, o desenho/imagem é tão importante quanto em eras anteriores, principalmente pela cultura imediatista e veloz que se instalou, mantendo-se uma comunicação construída a partir de novas modalidades cada vez mais visuais e imagéticas.
Com novas mídias, estas comunicações passaram a atingir rapidamente seus objetivos, difundindo e/ou informando de uma forma muito rápida e eficaz, utilizando-se de linguagens visuais ou imagéticas, contempladas neste trabalho. Dessa forma, para se interpretar uma informação através de desenhos/imagens, requer-se um domínio maior de diferentes áreas do conhecimento, para que se possa interpretá-las de acordo com o universo cultural de sua concepção.
Para as devidas interpretações dos desenhos/imagens existentes numa obra de arte, se faz necessário transpor o óbvio e principalmente o imediato, necessitando que se penetre no seu contexto e que se possa analisá-las além das aparências, ou de suas formas iconográficas ilustrativas.
Minha proposta com este estudo é a de analisar a mensagem dos signos/símbolos que, Amedeo Modigliani, imprimiu intencionalmente em sua obra inédita “Velieri a Livorno”, assim como o fez em outras obras autênticas (La Luce Dell’Amore – 1994, p. 117-127 e Modigliani – 1943, p. 56-57 e p. 76-77), correlacionando o desenho/imagem com a literatura através do poema “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri.
Para se entender melhor esta história, vejamos: Modigliani nasce em 12 de julho de 1884, em Livorno e falece em 24 de janeiro de 1920, em Paris e Dante Alighieri nasce em 29 de maio de 1265, em Florença e falece em 14 de setembro de 1321, em Ravena, portanto, dois grandes artistas italianos, naturais da Toscana.
Modigliani nasce com sua saúde muito comprometida, o que o impossibilitou ser alfabetizado em escolas regulares, ficando sua mãe, Eugenia Garsin e seu avô Isaac Garsin, de origem judaica sefardita, com a responsabilidade de sua alfabetização que, aliás, ocorreu aos cinco anos de idade e tendo como principal material didático, a obra poética “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Aos 13 anos de idade, Modigliani já dizia de memória, trechos desta obra.
Após ter iniciado seus estudos de pintura em 1898, no Atelier de Guglielmo Micheli, em Livorno e ter frequentado outros estúdios em diversas cidades Italianas, em 1906, Modigliani chega a Paris e ao iniciar seus estudos na Academia Colarossi ele arrebata a atenção de todos, logo no primeiro dia de aula, quando ao entrar no Atelier, diz alguns versos da “A Divina Comédia”. Foi uma inesquecível apresentação! Depois deste episódio, frequentemente era convidado a dizer esta obra em Cabarés e Praças Públicas.
Em 1909, com o agravamento de sua saúde, em decorrência da Tuberculose, que ele havia contraído em 1901 e por necessitar de cuidados médicos, Modigliani retorna a Livorno, para se tratar e receber os devidos cuidados de sua própria mãe. Provavelmente neste período, ele produziu a obra “Velieri a Livorno” (Fig. 1) e propositadamente, imprimiu através de signos/símbolos, alguns dos 100 cantos que compõem a estrutura da poesia “A Divina Comédia”, uma prática relatada por seu amigo Arthur Pfannstiel (Modigliani – 1943, p. 56-57 e p. 76-77), que narra o fato de que Modigliani tinha o hábito de produzir suas obras, declamando alucinadamente este poema, como se estivesse, sob o efeito de drogas, ou possuído por Dante Alighieri.
Esta obra, “Velieri a Livorno”, foi trazida ao Brasil pelo pintor paulistano, J.W.R. – José Wasth Rodrigues, patrono do Centro de Documentação do Exército Brasileiro, criador do Brasão da Cidade de São Paulo, Vitrais da Catedral da Sé, Azulejos do Obelisco da Memória, entre outras obras, em 1914, quando é deflagrada a primeira guerra mundial. Neste período, Wasth Rodrigues estudava em Paris através de uma bolsa do Governo de São Paulo, período onde conhece Modigliani e acaba por dividir o quarto e pobreza com seu amigo livornês, segundo crônicas de vários poetas brasileiros, com destaque para “O Bom Wasth Rodrigues” de Carlos Drummond de Andrade e “O Paletó de Modigliani” de Paulo Bomfim. Wasth Rodrigues ao retornar ao Brasil traz em sua bagagem, algumas obras presenteadas por Modigliani, conforme relatos publicados em 1950, no Jornal “Correio da Manhã”.
A mais Importante comprovação desta amizade entre Wasth Rodrigues e Modigliani, refere-se ao retrato que Modigliani fez, em 1918, deste seu amigo paulistano, até o momento sendo intitulado como, “Homem Sentado e Apoiado numa Mesa”, por total falta de informações sobre quem seria a personagem. (Fig. 2).
Uma outra curiosidade sobre a amizade entre Wasth Rodrigues e Modigliani, está documentada com as obras, “Retrato de José Wasth Rodrigues”, à esquerda e o “Auto Retrato de Modigliani”, à direita da Figura 3, onde as duas personagens destas obras de Modigliani, usam o mesmo Casaco e o mesmo Echarpe, conforme consta em diversas publicações, como sendo um presente de Wasth Rodrigues à Modigliani, logo após ter sido retratado em 1918, quando Wasth retorna à Paris, como cicerone do escritor Monteiro Lobato, ano do lançamento do livro, ”Urupês”, com ilustrações de Wasth Rodrigues.
A obra “Velieri a Livorno” era uma destas obras trazidas de Paris por Wasth Rodrigues, a qual acaba por ser transferida no final da década de 40, para o poeta, ator, diretor e um dos fundadores do T.B.C. Teatro Brasileiro de Comédia e o idealizador do grupo teatral de repertório poético, “Jograis de São Paulo”, Ruy Affonso, o qual me transfere legalmente na década de 90. Desde abril de 2007, estou trabalhando em uma pesquisa histórica/científica, no Brasil e na Europa, buscando Certificar a Autenticidade desta obra, já possuindo inúmeros laudos de exames científicos físicos e químicos, realizados na Universidade de São Paulo (Dra. Márcia de Almeida Rizzuto e Ms. Elizabeth Alfredi de Mattos Kajiya, Dra. Dalva Lúcia Araújo de Faria e Ms. Thiago Sevilhano Puglieri), Universidade Estadual de Londrina (Dr. Carlos Roberto Appoloni e Ms. Fábio Lopes), e El IVC+R (Instituto Valenciano de Conservación y Restauración de Bienes Culturales) y El Servicio de Restauración de La Excma. Diputación de Castellón (Dra. Carmen Pérez García y Dr. Juan Pérez–Miralles), na Espanha, onde após 8 anos de muito trabalho, foi possível confirmar ser uma obra original, íntegra, sem nenhuma intervenção, com sua datação confirmada entre final do século XIX e início do século XX, assim como nos exames de Fluorescência de Raio X e Espectroscopia RAMAN, confirmarem a compatibilidade total entre as paletas, além de eu descobrir, sob orientação do artista plástico e pesquisador mexicano, Dr. Luis Aguirre Morales, e depois confirmados através de exames com imagens em 3D (RTI), realizados na Espanha, vários signos/símbolos ocultos, descartando a hipótese de ilusão de ótica, ou de manchismo, uma vez que todos estes elementos foram inseridos intencionalmente e em relevo, além de afirmarem existir uma altíssima porcentagem de probabilidades de sua autenticidade.
Todos os signos/símbolos constantes na composição desta obra interpretam visualmente o poema “A Divina Comédia” desde o início da viagem de Dante Alighieri ao Inferno, passando pelo Purgatório, até chegar ao Paraíso, a qual se dá no início do outono na Europa e Modigliani fez esta representação através do Signo de Áries sobre o Sol (Fig. 6), além de representar através de diversos signos/símbolos como crâneos (Fig. 5), serpente (Fig. 8), demônio (Fig. 10), mosca com cadáver (Fig. 9), crâneo com hieróglifo (Fig. 11), golfinho (Fig. 12), crocodilo e dragão (Fig. 13) e outros, interpretando assim, alguns dos estágios desta viagem determinados através dos nove círculos do Inferno, dos sete degraus do Purgatório, ou das nove esferas do Paraíso, tendo incluído também, o meio de transporte para Dante transitar entre o Inferno e o Purgatório, utilizando-se do próprio barco, no detalhe em primeiro plano da parte pictórica e transitar do Purgatório para o Paraíso, utilizando-se do cavalo/unicórnio (Fig. 7), inserido como um símbolo oculto no centro da obra.
O grande desafio foi correlacionar todas estas imagens com seus significados ocultos (La Luce Dell’Amore, 1994, p. 117-127), lembrando que Modigliani era um iniciado na Kabbalah e Alquimia, frequentador de sessões espíritas e um apaixonado pela “A Divina Comédia”, uma das maiores obras poéticas de todos os tempos. Desta forma, o gênero “poema” está apresentado como um eficiente mecanismo de conhecimento dos efeitos visuais, na análise desta construção imagética.
Na obra de arte, “Velieri a Livorno”, Modigliani utilizou uma leitura visual para a obra, “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, confirmando o conceito de Barthes, onde a imagem pode ser literal ou simbólica. Sendo assim, a Retórica da Imagem se dá pela eloquência dos inúmeros símbolos inseridos na parte pictórica. Vale informar que nos exames realizados através de fotos produzidas com Raio X, na Espanha, surgem por debaixo da pintura, uma outra forma de comunicação através de algumas sequências de letras e números (Figuras 14 e 15). Seguramente estas sequências são códigos cabalísticos, ainda não decifrados.
De qualquer forma, nestas duas ocorrências, existem intenções claras de se comunicar com pessoas que conheçam profundamente o poema de Dante Alighieri e o ocultismo da Kabbalah e da Alquimia, para tornarem-se receptoras de suas mensagens/informações.
Nesta obra, o que se propõem é uma reflexão sobre as diferentes concepções de nossa existência, através das análises da “A Divina Comédia”, assim como através dos ensinamentos evolutivos propostos pela Kabbalah, ou pelo espiritismo, estabelecendo uma nova comunicação para o nosso momento atual.
Modigliani produziu uma obra, intencionalmente, com imagens que rompem os padrões estéticos convencionais, propondo um novo olhar para as comunicações intrínsecas nas artes visuais, reafirmando Luigi Pirandello, quando nos diz em 1917; “Assim é, se lhe parece”.
Entendo que ainda poderão ser encontrados outros significados, em especial nas sequências com números e letras, encontrados no chassi da obra “Velieri a Livorno”, nos permitindo avançar na compreensão do que já foi possível analisar até este momento, ou seja, uma comunicação conotada, conforme define Barthes (1984, p. 32), sobre a retórica imagética “(…) toda imagem é polissêmica, implicando subjacente aos seus significantes, uma ‘cadeia flutuante’ de significados, dos quais o leitor pode escolher uns e ignorar outros”.
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Toda a compreensão cultural e ideológica, através de imagens, influencia diretamente a criação de uma obra de arte visual sob os efeitos dos sentidos, identificando em Barthes todos os elementos para decifrar os objetos filosóficos e poéticos apresentados, através da figuratividade e da retórica da imagem contida na obra “Velieri a Livorno”, possibilitando entender além da comunicação visual, os vários aspectos imagéticos.
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Referências:
ROLAND BARTHES, Retórica da imagem – O Óbvio e o obtuso – Lisboa (Portugal): Edições 70, 1984, p. 39-40.
MIKHAIL BAKHTIN, Os gêneros do discurso – Estética da criação verbal – São Paulo (Brasil): Martins Fontes, 2003, p. 261-306.
ARTHUR PFANNSTIEL, Modigliani – Buenos Aires (Argentina): Editorial Schapire, 1943, p. 56-57 e p. 76-77.
ARTURO SCHWARTZ, La Luce Dell’Amore – Milano (Itália): Tema Celeste Edizione, 1994, p. 117-127.
ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL, Pintura Sacra.
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ALEX RIBEIRO
São Paulo – São Paulo
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Incrível! Eu jamais imaginaria que esse quadro era de Modigliani se me mostrassem antes. Parabéns pela descoberta.